15/08/2017
O superávit da conta petróleo em 2017, o pré-sal e a indústrial nacional
Jornal GGN 11/08/2017
por Leonardo Guerra e Günther Borgh
De janeiro a juho deste ano a conta petróleo registrou um superávit de US$ 3,8 bilhões. Sem dúvida, este é um fato digno de destaque, mas que, além da nota oficial do Departamento de Estatística do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, nada mais se falou a respeito. Este silêncio sepulcral é muito preocupante, pois um fato extremamente caro para a sociedade brasileira passa despercebido neste momento de crise nacional onde todos se veêm sem perspectivas para o futuro.
É digno de nota que as contas externas do país sempre delimitaram as perspectivas de desenvolvimento econômico da nação. Algumas vezes, a incapacidade de honrar compromissos internacionais levou o país a profundas crises. A nossa geração, por exemplo, se viu subtraída de duas décadas de crescimento econômico por uma “crise do petróleo”. Na sua essência, a ausência de produção interna e incapacidade de importar, fizeram definhar o último ciclo de desenvolvimento econômico do século XX.
Agora, quando podemos contar com esta superação, nada falamos. Não há debate sobre as perspectivas que se abrem, não discutimos abertamente a revisão dos marcos regulatórios, os erros e acertos da estratégia industrial e tecnologica implementada. Este silêncio terá consequencias perversas para o sociedade, que mais uma vez, vai deixar de trabalhar para o aumento do valor agregado da indústria nacional e deixar seguir a vocação primário exportadora de sempre.
Com certeza, existem revisões fundamentalmente necessárias, mas existem outras que, se tomadas sem o balizamento dos benefícios obtidos até agora, vai impor perdas irrecuperáveis à sociedade brasileira em termos de geração de emprego, renda, ciência e tecnologia.
Hoje, mais de 1 milhão de barris de óleo equivalente (boe) são extraídos do pré-sal. Do ano 2000 até 2016 a produção nacional cresceu quase três vezes e isso aconteceu de uma forma até então inimaginável do ponto de vista econômico e tecnológico. O que vivemos nos últimos anos neste sentido mostrou que o Brasil possui (acreditem) uma enorme capacidade de superação de desafios e neste momento é oportuno lembrar os benefícios trazidos. Somente assim, podemos dimensionar o que colocaremos em risco no caso de uma radical mudança na regra de conteúdo local.
A superação da fronteira tecnológica da exploração em alto mar e em águas profundas teve reconhecidos benefícios econômicos para o país: em 2014, no ano da menor taxa de desemprego da história, 40% do investimento industrial estava associado ao pré-sal.
A reabilitação da indústria naval e offshore brasileira é, indiscutivelmente, a face mais visível do esforço industrial associado ao desenvolvimento dos campos do pré-sal. No início do ano 2000, o emprego no setor era próximo de 2 mil empregados e, no final de 2013, mais de 80 mil pessoas estavam diretamente ligados a este setor. Assistimos à construção de estaleiros de classe mundial em todo o país, como Rio Grande do Sul, Pernambuco e na Bahia. Houve um esforço contínuo de aprendizado em relação a tecnologia de produto e de gestão e hoje existem, além das estruturas para o içamento de blocos e diques seco de alta capacidade, uma rede de fornecedores capaz de atender, de maneira competitiva, suprimentos de maior valor agregado para atender novas demandas.
Os novos estaleiros redesenharam a geografia da indústria naval e offshore brasileira, anteriormente concentrados no Rio de Janeiro. Estaleiros para a construção de cascos e integração de ativos como plataformas do tipo FPSOs (Floating Production, Storage and Offloading) e navios sonda.
Os canteiros para a construção de módulos de navios e outros equipamentos de exploração em alto mar se distribuíram do sul até o nordeste do país, criando um movimento de dinamização no emprego, na renda e na arrecadação de tributos nos municípios hospedeiros destes investimentos.
O Norte e Nordeste brasileiros foram positivamente impactados por esta indústria. No Vale do Aço, no interior de Minas Gerais, surgiu um arranjo produtivo local (APL) voltado para a identificação de oportunidades de produção de bens e serviços para a indústria do petróleo, numa região notadamente dependente da indústria siderúrgica.
A capacidade de processamento de aço também cresceu de forma significativa para atender esta demanda. Novas tecnologias de produção de aço foram desenvolvidas e novos materiais estão continuamente sendo pesquisados para a produção nas condições hostis do pré-sal.
Visando aumentar a densidade tecnológica e com isto aumentar o valor agregado desta indústria, um programa de apoio ao desenvolvimento de APLs foi desenhado para ser executado em parceria entre vários órgãos de fomento, públicos e privados. Centros de capacitação tecnológico, investimentos em infra-estrutura, financiamentos de longo prazo com juros reais menores seriam ofertados para estimular a competitividade em Rio Grande, no Rio Grande do Sul; em Maragogipe, na Bahia; em Ipojuca, no Pernambuco; no Vale do Aço, em Minas Gerais e no Comperj, no Rio de Janeiro.
Um intenso processo de mobilização de atores dos governos locais com as empresas da região foi levado a cabo, no sentido de buscar inserir todas as empresas daquelas regiões na cadeia de fornecedores do setor de óleo e gás de forma prioritária.
O esforço de aprendizado nas práticas de negócios do setor petróleo para estas empresas foi bastante significativo, e em diversos casos, as empresas alçaram vôos mais altos. Muitas passaram a prospectar negócios em outros setores da economia que são dominados por grandes empresas (energia, mineração, etc).
Este esforço não foi em vão. Hoje é possível identificar um maior grau de maturidade empresarial nestas regiões, com a formalização e o fortalecimento de organizações privadas para pensar conjuntamente o interesse das empresas da região.
Causas externas e internas fecharam este ciclo de desenvolvimento. A própria dinâmica deste vultuoso processo de superação contribuiu para isto. A viabilidade do pré-sal é um fator de ruptura das condições de oferta e demanda existentes neste mercado.
É certo que, do ponto de vista da indústria brasileira, vários gargalos foram superados para atender a demanda de bens, serviços e para oferecer a tecnologia necessária para superarmos o desafio de produzir petróleo e gás nas condições brasileiras. O pré-sal é um exemplo eloquente da superação dos brasileiros, e as recentes proposições para alteração, de maneira radical, das cláusulas de conteúdo local são um retrocesso para o desenvolvimento econômico país, que sempre buscou aumentar valor agregado dos escassos recursos naturais.
A redução a quase zero da exigência de conteúdo local pode também indicar que o próximo passo desta nova estratégia será o fim da cláusula de obrigatoriedade de investimento em P&D que exigidas nas concessões de exploração no pré-sal, cujos impactos apontaremos noutro artigo.
Leonardo Guerra, economista.
Günther Borgh, especialista em sistemas de produção industrial.
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