17/08/2017
A previsibilidade do caos
·Do Tijolaço - 17/08/201
Fernando Brito
Hão de se recordar os leitores deste blog que, ontem mesmo, escreveu-se aqui “A “batalha” da meta agora é no Congresso” e que começaria “se tanto, na semana que vem”.
Já começou, claro e a Folha dá manchete para o processo de chantagem que começou sobre um governo que, carente de qualquer legitimidade, precisa “acochambrar” despesas que crescem inexoravelmente, apesar das tesouras impiedosas sobre os gastos que são a razão de ser do Estado e receitas que encolhem como roupa da má qualidade, arrochando e sufocando o infeliz que está dentro dela.
Nenhum mérito na antecipação: tudo o que é feito erradamente, dá errado.
Tal como a situação de um sujeito que ganha cada vez menos, a solução de cortar despesas é necessária, mas está longe de ser o suficiente.
Um gráfico da edição de hoje da Folha mostra com clareza solar o que está acontecendo com nossas contas.
Olhe aí ao lado: repare que a receita começa a cair quando o PIB, retrato da atividade econômica, perde força e embica para baixo.
Como isso é uma proporção, não vale o argumento de que é assim mesmo, que quando se produz menos riqueza é natural que se arrecade menos impostos.
Sim, isto é correto, mas como explicar que a queda fiscal seja mais acentuada que a queda da economia como um todo? Há várias causas, com as quais os economistas poderiam encher páginas, desde o crescimento da sonegação fiscal até a concentração das fontes de receita sobre setores que caíram mais que a média (a indústria) e a pouca oneração naqueles que menos sofreram, ou até se expandiram (o agronegócio).
Como o gráfico evidencia, “o pato é relativo”, porque a carga tributária efetiva caiu de perto de 20% do PIB para algo em torno de 17%, Não é pouco, convenhamos: uma sobre outra representa uma redução de 15%.
O que acontece, porém, é que pagar um pouco menos quando se ganha menos dói mais que pagar um pouco mais quando se ganha mais e, sobretudo, quando se tem a expectativa de ganhar ainda mais.
E que pagar menos quando os serviços pelos quais se paga (saúde, educação, mobilidade urbana, para nós, mortais; infraestrutura, logística, obras, para os empresários) decaem ou se anulam, tirando de pessoas e empresas a perspectiva de bem-estar ou progresso acentua a ideia da inutilidade do pagamento.
Agora tempere isso com o bombardeio diário, minuto a minuto, de que a causa da decadência da economia e da precarização do Estado é a roubalheira dos políticos e os privilégios de servidores (e ambos, de fato acontecem, mas estão longe de ser a causa deste processo), tudo sancionado por uma matilha de justiceiros erigidos em heróis nacionais, e você terá transformado o país num pântano que, não por acaso, define sua natureza pela própria estagnação.
No pântano, a fauna que prospera são os jacarés, as cobras e os mosquitos.
Não sairemos desta situação com “medidas administrativas de gestão”. É preciso abrir os diques financeiros que fizeram a água econômica parar de correr no Brasil.
De um lado, travando o sorvedouro da dívida pública, que avança celeremente. Quanto mais se o adiar, mais severo ele terá de ser. Bobagem dizer que está esgotado o modelo de crescimento pela elevação do consumo, porque o consumo está deprimido e é ele quem mais rapidamente responde em arrecadação e emprego. E a equação se fecha com a mobilização de parte dos recursos que temos represados em nossas reservas cambiais para repor o caminhão dos investimentos públicos em movimento.
Mas nada disso se faz e ficamos na inglória tarefa de cortar do essencial e ter de ceder no que é irrelevante, fisiológico e socialmente iníquo.
Romper estes diques não é obra para anões espertos, é para gigantes teimosos.
É por isso que jacarés, cobras e mosquitos o importunam e tentam destruir o único que temos disponível para essa tarefa hercúlea.
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