20/08/2017
Xadrez da influência dos EUA no golpe, por Luís Nassif
Jornal GGN - DOM, 20/08/2017 - 08:10
A cada dia que passa fica mais nítida a participação de forças dos Estados Unidos no golpe do impeachment. Trata-se de tema polêmico, contra o qual invariavelmente se lança a acusação de ser teoria conspiratória. O ceticismo decorre do pouco conhecimento sobre o tema e da dificuldade óbvia de se identificar as ações e seus protagonistas. Imaginam-se cenas de filmes de suspense e de vilões sendo articulados por um comitê central e todos os protagonistas sendo orientados por um comitê central.
Obviamente não é assim.
Um golpe sempre é fruto da articulação das forças internas de um país, não necessariamente homogêneas, e, em muito, da maneira como o governo atacado reage. No decorrer do golpe, montam-se alianças temporárias, em torno do objetivo maior de derrubar o governo. Há interesses diversos em jogo, que provocam conflitos no decorrer do golpe e se acentuam depois, na divisão do butim.
A participação gringa se dá na consultoria especializada e no know-how da estratégia geral.
E aí entram os princípios básicos, copiados das estratégias de guerra:
Etapa 1 - Ataques da artilharia: a guerra de desgaste, de exaurir antecipadamente o inimigo por meio de ataques diuturnos de artilharia.
Etapa 2 – a guerra psicológica, visando conquistar corações e mentes das populações dos países adversários contra suas tropas.
Etapa 3 – a primeira ofensiva, juntando o avanço dos tanques de guerra com poder de artilharia com ações táticas de Infantaria, visando impedir o inimigo de realizar determinadas operações estratégicas.
Etapa 4 – simultaneamente à Etapa 2, táticas de dividir as forças adversárias para ataca-las uma de cada vez.
Etapa 5 - Vencida a guerra, ocupar o país com um governo local que, ante um quadro de destruição ampla, ganhará legitimidade inicial com suas propostas de reconstrução. Por isso a destruição tem papel central na conquista do território, seja no decorrer da guerra ou no desmonte posterior.
Etapa 6 – a batalha decisiva. A aceitação ou não, da população do país, do modelo imposto pela guerra.
Vamos, agora, analisar o Caso Brasil.
Etapa 1 – os ataques de artilharia
Tem a função de fustigar os inimigos diuturnamente, de maneira a tirar seu fôlego e preparar o terreno para o início da batalha e o avanço da infantaria.
Quem acompanha as sutilezas do jornalismo pátrio percebeu nítida mudança no estilo editorial a partir do advento do Instituto Millenium que ajuda a definir um tipo de jornalismo de guerra mais sofisticado, e ser o ponto de convergência dos jornalistas que atendem à demanda dos grupos jornalísticos por guerreiros.
Até então, a mídia atuava atabalhoadamente com factoides inverossímeis, dentro do que ficou conhecida como a era do jornalismo de esgoto.
A partir de determinado momento – e, especialmente, das notícias geradas pela AP 470, do mensalão – os ataques mudam de enfoque. Em vez do linguajar agressivo, cobertura intensiva do material fornecido pelo Ministério Público Federal e pelo relator Joaquim Barbosa, em linguagem aparentemente neutra, mas sempre incluindo frases-padrão. Em qualquer matéria, mesmo sem ligação alguma com a AP 470, qualquer menção ao PT era acompanhada de frases–padrão, tipo “partido que foi acusado de corrupção pelo STF”, e outros termos similares, repetidos exaustivamente. Instituiu-se método na campanha midiática.
Etapa 2 – a conquista de corações e mentes
Nas manifestações de junho de 2013 ocorreu a primeira explicitação do mal-estar coletivo com o início da crise. Antes, houve um trabalho crescente dos grupos de ultradireita nas redes sociais, se sobrepondo à jovem militância de esquerda que ficou rendida, sem informações e sem argumentos do lado de um governo, incapaz de articular um discurso político.
Factoides de apagão, de epidemias, sobre o Enem, a Copa do Mundo, tudo ficava sem resposta, sem informações do governo, deixando o campo aberto para o golpismo.
Os primeiros organizadores de encontros, jovens de extração de esquerda, foram jogados ao mar pela própria esquerda.
Sem competidores, os movimentos estimulados pelo exterior ganharam fôlego e o comando das ruas passou para grupos, como o MBL (Movimento Brasil Livre) e o Vem prá Rua, bancados financeiramente e com know-how de grupos empresariais norte-americanos, como os irmãos Koch, e brasileiros, como Jorge Paulo Lehman.
O know-how consistia na habilidade em criar agentes políticos do nada, valendo-se apenas das novas formas de comunicação e organização das redes sociais. Pelo extremo baixo nível das lideranças, percebe-se a enorme facilidade em se criar protagonistas para conduzir os movimentos de manada nas redes sociais
A Rede Globo levou dois dias para perceber que os aliados tinham assumido a iniciativa. Imediatamente seus comentaristas se alinharam em defesa das manifestações, depois de a terem desancado impiedosamente no início.
Nos links abaixo, algumas matérias explicativas desses movimentos de bilionários organizando a militância:
Esfera de influência: como os libertários americanos estão reinventando a política latino-americana.
É movimento que repete o fenômeno da direita empresarial norte-americana nos anos 60, com grupos como o W.R.Grace, de irlandeses católicos fundamentalistas, investindo em cruzadas em países da América Latina.
Leia aqui sobre os Grace e sua Campanha Pelo Rearmamento Moral:
Etapa 3 – o ataque com tanques e infantaria
A conquista de corações e mentes foi relativamente simples. Havia o dado concreto do mal-estar econômico. Bastou forçar relações de causalidade com Dilma e o PT, trabalho facilitado pela incapacidade de ambos de entender o momento e enfrentar o jogo.
De qualquer modo, as manifestações de rua acionaram a bomba de efeito retardado, que catapultou a guerra para a etapa decisiva.
As ações que permitiram transformar um pequeno processo de Curitiba em um escândalo do Rio de Janeiro, capaz de derrubar um governo em Brasília, foram alimentadas pelo DHS, o poderoso Departamento do governo dos EUA, que surge a partir dos atentados às Torres Gêmeas, organizando as ações de 23 departamentos internos na luta contra o terrorismo e as organizações.
Ele se torna o ponto de contato com Ministérios Públicos em todo mundo, no modelo da cooperação internacional, ao mesmo tempo em que novas leis anticorrupção são aprovadas por organismos internacionais. A primeira aproximação com o Brasil foi no caso Banestado. A partir daquele episódio, estreitam-se as relações do DHS com o juiz Sérgio Moro e o grupo de procuradores que assume a Lava Jato.
Leia aqui sobre o DHC:
Provavelmente vem do DHS o know-how de estratégias político-midiáticas da Lava Jato, com a organização das informações em sites, a criação de perfis de procuradores e, mais à frente, a utilização política dos vazamentos. Antes disso, a seleção de procuradores e delegados que atuassem de forma harmônica.
Junto com o bombardeiro de tanques, ocorreram também operações táticas de infantarias, com a divulgação de conversas gravadas da presidente e a sincronização da agenda policial com a agenda política do impeachment.
Etapa 4 – a divisão das forças inimigas
A corrupção política contaminou todos os partidos, sem exceção. As delações dos executivos de empreiteiras forneceram um amplo arsenal para a Lava Jato, podendo selecionar os alvos a serem atingidos.
A atuação da Lava Jato visou três objetivos centrais, todos diretamente relacionados com os interesses norte-americanos:
· Inviabilizar rapidamente as multinacionais brasileiras que competiam com grupos norte-americanos no exterior;
· Derrubar o governo Dilma e, com ele, a legislação do pré-sal;
· Inabilitar Lula politicamente.
Para que nada se interpusesse no caminho, tratou de poupar Michel Temer, principal personagem do escândalo da Eletronuclear, assim como Eduardo Cunha, que só foi preso depois de consumado o impeachment. E foi por isso que a maioria absoluta dos delatores conseguiu a libertação bastando, para tanto, as palavrinhas mágicas: Lula ou Dilma sabia.
Agora, uma checagem minuciosa mostra um trabalho relapso, muito mais focado na quantidade que na qualidade das delações. Mas obedecia à estratégia de comunicação, de não dar um minuto de folga aos inimigos (PT e Lula). Cada declaração, mesmo vazia e sem provas, alimentava o noticiário diário, insuflava o clamor das ruas e atraía adesões do Judiciário.
Etapa 5 – a ocupação do território inimigo
A estratégia pós-impeachment consistiu em implementar um conjunto radical de medidas visando fazer terra arrasada do modelo econômico vigente. Antes mesmo do impeachment já haviam sido fincadas as bases do acordo com os coronéis do PMDB, em torno da tal Ponte Para O futuro.
A ponto do próprio Temer, em evento nos EUA, afirmar que Dilma caiu por não ter aderido aos pontos da tal Ponte para o Futuro.
É evidente que havia um documento, que foi entregue pessoalmente aos líderes do PMDB por representantes do tal do mercado.
Provavelmente, a cabeça por trás da Ponte para o Futuro, e do trabalho de demolição do orçamento, foi Marcos Lisboa, espécie de menino de ouro do liberalismo pátrio.
Nas eleições de 2002, foi indicado para Jorge Paulo Lehman pelo economista brasileiro, Scheinkman, diretor do prestigioso departamento de macroeconomia da Universidade de Chicago. Lehman tentou enganchá-lo na campanha de Ciro Gomes. Com a eleição de Lula, Lisboa acabou indo para a equipe de Antônio Palocci onde, saliente-se, realizou um belo trabalho de reformas microeconômicas.
No discurso que fez no evento do Jota-Insper, na sexta passada, há todas as impressões digitais das principais maldades em tramitação na Câmara, inclusive a que obriga o devedor inadimplente que devolve o bem a continuar devedor. Para Lisboa, economia saudável é que a permite ao banco tirar a a máquina do empresário inadimplente, ainda que uma máquina parada seja menos eficaz para a economia que uma empresa produzindo; que permite ao banco punir o mutuário inadimplente. Para ele, a inadimplência é um ato de vontade do devedor, não contingências da economia. É um autêntico defensor da eugenia social e corporativa.
Todo o estoque de projetos, a começar da PEC do Teto e, a partir dela, com o desmonte de todas as políticas sociais e a ocupação de todos os territórios do Estado, do aparelhamento da Funai à Eletronuclear, do Inmetro ao TSE (Tribunal Superior eleitoral).
Simultaneamente, preparar um conjunto de medidas estruturais, que destruam o modelo anterior de Estado, para que a Nova Ordem seja a única alternativa visível.
A contribuição externa provavelmente se deu no aconselhamento da estratégia da Ponte para o Futuro e do conjunto de leis atuais.
O papel da mídia
A exemplo da estratégia pós-Insper, o papel da mídia é vocalizar um conjunto de slogans vazios:
A equipe econômica é brilhante. A frase é repetida por Ministros do Supremo, empresários etc. A maioria absoluta dos quais jamais tinha ouvido falar antes, ou depois, dos membros da equipe econômica.
Se reformar a Previdência, o país sai da crise. Não há nenhuma relação de causalidade. Para chegar a esse ponto de terra arrasada – parte da estratégia de desmonte do Estado anterior – acabaram com a demanda, criaram enorme capacidade instalada, aumentaram as taxas reais de juros, todas medidas pró-cíclicas.
Sobre essa retórica, prepararei um artigo à parte.
Etapa 6 – a batalha decisiva
O teste final serão as eleições de 2018. E, aí, há uma ampla confusão e disputa entre os diversos grupos hegemônicos que dependem de três balas de prata para enfrentar Lula.
Bala 1 – um candidato competitivo
O clube dos bilionários do golpe abriu os olhos para o risco de confundir sua imagem com a da organização comandada por Michel Temer. E entendeu que a aprovação de reformas, sob o jugo de Temer, tirará grande parte da sua legitimidade. Além de comprometer qualquer tentativa futura de protagonismo político.
Os caciques do PSDB continuarão blindados pelo algoritmo do Supremo Tribunal Federal (STF), embora os níveis de manipulação do sorteio já tenham se tornado escandalosos. Mas, politicamente, estão liquidados.
Tasso Jereissatti pretendeu tirar o PSDB dessa rota suicida. Mas passou a enfrentar a pressão da banda fisiológica do partido, liderada pelo chanceler Aloysio Nunes. Sem financiamento empresarial e sem governo, parte relevante das atuais lideranças tucanas será varrida do mapa.
Por outro lado, o clube não dispõe de um nome competitivo para 2018. Marina Silva não tem fôlego. E Geraldo Alckmin não representa novidade alguma no panorama político.
Por tudo isso, o clube – mais a ala mercadista do PSDB, puxada por FHC – provavelmente jogará suas fichas na candidatura de João Dória Jr, apesar das imensas ressalvas que manifestam em relação a ele. Será uma novidade, mas dificilmente será competitivo.
Com o definhamento do PSDB, o antipetismo se tornou totalmente invertebrado.
Bala 2 – o distrital misto
Tenta-se, agora, esse aborto do modelo político como última tentativa de sobrevida à atual bancada de deputados. E aí sobressai um risco cada vez mais presente na política atual: a entrada de várias organizações criminosas no jogo.
O narcotráfico mostrou um poder assustador no episódio da helicoca, no qual a Polícia Federal e o Ministério Público Federal não moveram uma palha para apurar as ligações do dono do helicóptero, senador José Perrela, com o tráfico. O helicóptero foi devolvido dias depois para o dono, em outra atitude inédita.
Por outro lado, a extraordinária influência da Fenatran – a suspeitíssima federação de transporte urbano do Rio de Janeiro – no STF, através do Ministro Gilmar Mendes, acende outra luz amarela.
Finalmente, a tentativa de legalizar novamente o bingo abrirá nova frente de influência para o crime organizado.
Bala 3 – o parlamentarismo
O PSDB acena com o parlamentarismo, caso consiga o poder. É mais fácil Gilmar Mendes declarar suspeição em qualquer processo, do que a bandeira do parlamentarismo eleger um presidente.
O próximo presidente será eleito denunciando o saco de maldades produzido pelo atual governo, em parceria com o PSDB e com o mercado.
Por todos esses condicionantes, mais que nunca dependerão de ações no Judiciário para inviabilizar a oposição. Afinal, por mais que seja estreita a colaboração com os EUA, não poderão contar com a 7a Cavalaria contra os índios de Lula.
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