quarta-feira, 30 de agosto de 2017

Nº 22.190 - "Xadrez do fator é a economia, estúpido!, por Luís Nassif"

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30/08/2017

Xadrez do fator é a economia, estúpido!, por Luís Nassif



Jornal GGN - QUA, 30/08/2017 - 00:32ATUALIZADO EM 30/08/2017 - 07:30




Luis Nassif


Peça 1 - a desinformação como regra


Em qualquer análise que se faça sobre o jogo político brasileiro, os movimentos das corporações, o comportamento da mídia, deve-se partir do pressuposto básico: trata-se de um país essencialmente mal informado. E, como tal, sem os instrumentos democráticos básicos para acertos de rumo na economia, na política, no social.

O meio campo entre a opinião pública e as instituições é feito pela imprensa. Com a redemocratização, grupos de mídia se viram dotados de um poder político inédito na história do país. E acabaram assumindo uma linha sensacionalista que começou com campanha do impeachment de Collor e nunca mais se desgrudou dos jornais.  

O próprio modelo de mídia, concentrado em poucas famílias de baixo nível intelectual, acentuou ainda mais a mediocrização – isto é, a identificação do jornalismo com o cidadão médio.

Não se fixou, entre nós, o padrão de jornalismo doutrinário, guardião de valores e fiscal das políticas públicas fundamentais como ocorre em países desenvolvidos, com veículos referenciais à esquerda e à direita. Sem esses canais de distribuição, as ideias da Academia ficam encapsuladas, para grupos restritos. E os think tank existentes no máximo são servidos como aperitivo para grandes corporações, não ajudando a definir ações nem de instituições nem de partidos.

Além disso, a crescente despolitização da política brasileira, ao longo de sucessivos governos – de FHC a Lula e Dilma – impediu a fixação de valores doutrinários relevantes, formuladores de um projeto nacional. A chegada das redes sociais completou o quadro de caos informacional.

Hoje em dia, tem-se uma classe média impulsionada por preconceitos, empresários sem noção dos efeitos de políticas econômicas sobre o futuro de seus negócios, corporações públicas – como o Judiciário e o Ministério Público – com um grau assustador de desinformação política. São camadas sucessivas de opinião pública que se movem por slogans, por um pensamento homogêneo, rasteiro, que não se abre para nenhuma forma de questionamento.

Só isso para explicar a apatia inicial com que está sendo tratado o projeto de descontratação da energia da Eletrobras.


Peça 2 - as consequências dos desastres econômicos


Entendido isto, vamos às consequências de políticas econômicas. Os diversos setores do país passam a analisar as políticas a posteriori, à luz dos seus resultados.

Getúlio Vargas foi eleito depois do desastre liberal do governo Dutra. Fernando Collor foi eleito depois da centralização do regime Militar. Fernando Henrique Cardoso, após o desastre liberal de Fernando Collor. Lula, após o desastre liberal de FHC. O golpe de Temer após o desastre intervencionista de Dilma.

O golpe militar de 64 se consolidou após reformas bem-sucedidas da dupla Roberto Campos-Octávio Bulhões, seguida do pragmatismo de Delfim Netto. E Lula conseguiu eleger Dilma Rousseff após as políticas anticíclicas bem-sucedidas de 2008-2010.

Tudo isso para constatar que após um grande desastre econômico, se tem uma virada de jogo.

O desastre perpetrado pelo "dream team" atual da economia é de dimensões cavalares, maiores ainda que os desastre do período Joaquim Levy-Dilma Rousseff, porque em cima de uma economia já combalida.

O problema desse pessoal não é a ideologia: é a ausência total de visão de país. Há um conjunto de políticas que se impõem, independentemente de tendências ideológicas. Mas, para tanto, há a necessidade de um conhecimento aprofundado de todas as variáveis econômicas.

Roberto Campos foi um dos pais do BNDES, apesar de ferozmente privativista. Atuou para a estatização da Light, quando percebeu que a Brascan não pensava em investir na manutenção e ampliação da rede. Rômulo de Almeida, Cleantho de Paiva Leite e Jesus Soares Pereira pensaram na Petrobras atuando sem monopólio, apesar de defensores intransigentes do papel do Estado, e a UDN de Bilac Pinto optou pelo monopólio e pela verticalização, baseada nos estudos técnicos de Fernando Lobo Carneiro.

Em todos esses episódios, o papel do economista era identificar o problema e resolvê-lo da melhor maneira possível.

É por isso que, do ponto de vista da estratégia nacional, o golpe atual é mil vezes pior do que o de 1964. Castelo Branco assumiu viabilizando um conjunto de reformas que patinava no governo Jango, devido ao boicote do Congresso. Veio abastecido pelo avanço do planejamento brasileiro, em órgãos públicos, como o BNDES, ou em consultorias privadas, como a Consultec. Modernizou institucionalmente a Receita, criou o Banco Central, modernizou o mercado de capitais. Havia até o Estatuto da Terra, que morreu devido à entropia que caracteriza todas as ditaduras, impedindo a voz de setores desfavorecidos.

Jamais imaginaram privatizar a Eletrobrás ou a Petrobras porque eram empresas estratégicas, entendidas como estratégicas por um conjunto de pensadores que, sendo conservadores ou populares, compreendiam a lógica de funcionamento de uma economia.

Desde que a Fazenda passou a ser entregue aos chamados economistas de mercado ou seus porta-vozes, perdeu-se totalmente a dimensão da complexidade de uma economia como a brasileira.

Eles não têm a menor ideia da engrenagem que move expectativas, induz aos investimentos, movimenta o consumo. Não tem a menor ideia sobre o funcionamento do mercado elétrico, sobre a lógica dos investimentos em infraestrutura.

Limitam-se a olhar as taxas de juros longas, como Penélope à espera de Ulisses. Quando as taxas apontarem para baixo, Ulisses surgirá no horizonte e, com suas flechadas, eliminará os ímpios e os céticos.

Pior, deixam esse mercado de taxas longas à mercê do jogo especulativo, sem ao menos intervir, como faz o FED nos Estados Unidos.

Daqui a alguns anos, algum scholar escreverá um livro recheado de série estatísticas dissecando o desastre promovido pelo governo Temer. E, aí, talvez o “dream team” consiga enxergar minimamente o tamanho do desastre que produziu.


Peça 3 – caindo na real


A opinião pública brasileira – de empresários ao povão – só começa a cair na real quando se radicalizam os efeitos maléficos de políticas econômicas incorretas. Sempre haverá uma sobrevida ao desastre, com as Mirians Leitãos da vida explicando que precisa sofrer um pouco mais para conseguir o céu; e quando o céu não chega explicando que o sacrifício foi insuficiente, apesar de 16 milhões de desempregados. Mas chega uma hora em que aq ficha cai até para o telespectador mais crédulo.

A ficha caiu para o grosso da população com a proposta de reforma da Previdência e reforma trabalhista. Para os industriais, com o fim da política de conteúdo nacional, a tentativa de emascular o BNDES e a falta de investimentos públicos em infraestrutura.

É evidente que nem com injeção de adrenalina na veia se conseguirá despertar o tal espírito animal do empresário. E o capital externo só virá para compras de ativos na bacia das almas.

O primeiro efeito desse desencanto geral provavelmente será a fritura do chefe do “dream team”, Henrique Meirelles, a pior herança que Lula legou ao país. Não resolverá. Não existe dimensão política do governo Temer, nem quadros de fôlego e respeitabilidade na área econômica capazes de inverter a lógica da política econômica. Ela é do tamanho de Temer.

O resultado está aí, no crescimento consistente de Lula e na queda consistente das principais lideranças do PSDB e dos heróis da Lava Jato em relação diretamente proporcional com o exército de desempregados..

Peça 4 – os dilemas do antilulismo


E aí se entra em um dilema crucial.

Numa ponta, a tentativa dos atuais condôminos do poder em preservar o butim conquistado.

O primeiro caminho seria apostar as fichas em um candidato novo. Na quadra atual, sem perspectiva de recuperação econômica, tendo como padrinho o sujeito mais odiado do país – Michel Temer – só um milagre para a aliança golpista produzir um candidato competitivo. Mesmo que consigam tirar Lula das eleições, com as armações de Sérgio Moro e o TRF4.

O segundo caminho seria o parlamentarismo, o presidencialismo mitigado ou o nome que se dê ao modelo que pretenda retirar poder do voto. Mas só passaria caso a economia permitisase um mínimo de fôlego para a aliança golpista

Se a situação econômica piorar mais ainda – e não há nada pior que a continuidade da recessão em cima de uma economia já depauperada – se esfumaçará o pesado véu de desinformação montado pela mídia para matar a memória recente da economia. E poderá haver uma debandada geral de políticos e empresários em direção a Lula, por sua capacidade de recriar o sonho e pela obra que já construiu.


E como Lula é grande, mas não é Deus, na hipótese de assumir terá o enorme desafio de manter as expectativas sem conseguir milagres.

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