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20/04/2013
Falso debate sobre a PEC 37
Isto É independente - 20/04/2013
O debate em torno da PEC 37 ocorre num momento especialmente instrutivo para quem se preocupa com a preservação das instituições democráticas.
Paulo Moreira Leite
A PEC, nós sabemos, pretende garantir exclusividade às forças policiais no trabalho de investigação criminal.
Só para você ter uma ideia do que está acontecendo.
Dias atrás, tivemos um mutirão de 158 promotores. Os jornais e
emissoras de TV disseram que sua finalidade era combater a corrupção. O
próprio Roberto Gurgel, procurador-geral da República, deu um
esclarecimento em outra linha: "O MP está mobilizando a sociedade no
sentido de mostrar que o que se deseja com a PEC 37 é concentrar as
investigações num único órgão do Estado, a Polícia. É um retrocesso
gigantesco para a persecução penal e para o combate à corrupção.”
É grotesco.
O procurador-geral admite que o Ministério Público fez prisões e
operações de busca com a finalidade de fazer propaganda de um ponto de
vista político e pressionar o Congresso. O Estado de S. Paulo, o mais
antigo dos grandes jornais do país, diz que é isso mesmo – e critica
Gurgel, em editorial.
“Se fosse apenas uma demonstração de eficiência dos Ministérios
Públicos (MPs) estaduais e da Procuradoria-Geral da República no
cumprimento de suas atribuições funcionais, o mutirão contra a corrupção
- integrado por 158 promotores - mereceria aplauso. Infelizmente,
porém, ele foi realizado com propósitos corporativos e políticos.”
Disse ainda o jornal: “Mais do que um ato de protesto, essas
operações midiáticas são uma verdadeira tentativa de retaliação contra
políticos, por parte do MP.”
É isso, meus amigos: “uma tentativa de retaliação contra políticos.” Quem quer retaliar os políticos?
Até onde eu sei, quem faz isso é o eleitor, em urna. Retalia quem
não gosta, promove quem agrada e dá uma chance a quem levanta
esperanças. Fazemos isso pelo voto em urna, soberano, origem dos poderes
da nação.
É assim nas democracias, o pior regime que existe com exceção de todos os outros.
Vamos pensar um pouco mais. Nesta operação exemplar, tivemos
dezenas de prisões, operações de busca, e até dois parlamentares
paulistas com seus telefones grampeados, em algo que é uma campanha
marketing. Não se iluda. Em poucos dias, o saldo dessa operação de
“demonstração” estará nos jornais, um punhado de políticos será acusado a
partir de informações vazadas e o país estará estarrecido diante de
mais um escândalo.
Sei que a corrupção existe e que é preciso que seja punida e investigada. Mas a perseguição política não leva a parte alguma.
Seleciona alvos, define adversários e escolhe suas vítimas ao sabor de opções que não têm caráter técnico.
Só para dar um exemplo, que todos podem lembrar: não é curioso que o
celebre mensalão mineiro, pioneiro e original, iniciado nas eleições de
1998, só tenha sido investigado anos depois que se apurou o mensalão
petista?
E não é curioso que até ministros admitem que o interesse da
imprensa – uma instituição privada, com interesses próprios e visão
política própria – tenha interferido nesse comportamento?
Não se deve generalizar uma discussão que não tem mocinhos nem
bandidos, mas é preciso entender o principal: estamos assistindo a uma
disputa de garantias constitucionais e direitos democráticos. Este é o
debate em torno da PEC 37.
Não sou em quem diz isso, mas a seção paulista da Ordem dos
Advogados do Brasil, que acaba de criar uma Comissão de Defesa da
Constitucionalidade das Investigações Criminais. Procurando esclarecer
as coisas, o advogado Marcos Costa, presidente da OAB-São Paulo apoia a
PEC 37 e explica, em entrevista ao Estado de S. Paulo de hoje:
"A PEC não quer restringir os poderes do Ministério Público, cujo
papel é relevantíssimo e está claramente estabelecido pela Constituição
Federal de 88. Na verdade, propõe restabelecer a imparcialidade na fase
de investigação, segundo a qual a Polícia Judiciária (Civil e Federal)
investiga, o Ministério Público denuncia, a Advocacia faz a defesa e o
Judiciário julga."
Para Costa, "quem acusa não pode comandar a investigação, porque
isso compromete a isenção, quebra o equilíbrio entre as partes da ação
penal".
A PEC 37 devolve à polícia o direito de investigar uma denúncia criminal.
Já ao Ministério Público caberia determinar a abertura de uma investigação e apresentar uma denúncia à Justiça, se for o caso.
Por quê? Como ensina o mesmo Estadão: “No Estado de Direito, quem
acusa não deve ter a prerrogativa de investigar, sob pena de se pôr em
risco o devido processo legal e ferir liberdades públicas e
individuais.”
O problema é que vivemos hoje uma situação em que essas funções
estão embaralhadas. Temos, assim, uma situação estranha, em que o
trabalho da polícia é diminuído e dispensado, em nome da supremacia do
Ministério Público. Vamos ver alguns casos realmente exemplares.
Como é fácil de comprovar pela leitura dos autos da ação penal 470,
várias conclusões da Polícia Federal – sobre os empréstimos ao PT,
sobre o papel dos dirigentes partidários e ministros, contribuições de
empresas privadas – não foram devidamente respondidos nem considerados
pela denúncia.
Uma leitura possível é que se considerou o que interessava – e se dispensou aquilo que não ajudava na tese da acusação.
Outro aspecto. Os doadores privados do mensalão foram excluídos da
denúncia e nenhum se sentou no banco dos réus. Entregaram milhões de
reais, informa a Política Federal e também a CPMI dos Correios. Foram
seletivamente deixados de lado. Mesmo documentos oficiais não foram
levados em conta, no esforço para denunciar que houvera desvio de
dinheiro público.
Na morte do prefeito de Santo André, Celso Daniel, tivemos duas
conclusões opostas. A Polícia Civil de São Paulo concluiu que foi crime
comum. A pedido de Geraldo Alckmin, uma nova equipe policial, com uma
delegada de outra área, refez o inquérito e chegou à mesma conclusão. A
Polícia Federal, num trabalho realizado a pedido do então presidente
Fernando Henrique Cardoso, também.
Mas o Ministério Público diz que foi um crime encomendado.
Resultado: os réus são acusados de um tipo de crime que contraria
frontalmente a conclusão de três investigações policiais. Muitos já
foram até condenados em nome do crime encomendado.
Nem vou entrar no mérito desses casos específicos, embora tenha uma opinião conhecida a respeito.
Mas é difícil negar que, ao evitar a separação entre o trabalho de
investigar e o de acusar, a legislação deixa uma porta aberta para
abusos.
É simples como uma fábula infantil: a parte que acusa não pode estar contaminada nem envolvida com o trabalho de investigação.
Eu não posso ter a função legal de encontrar aquilo que quero procurar. É absurdo.
Cabe à acusação levantar as hipóteses que considerar cabíveis numa
denuncia e exigir que todas sejam investigadas e examinadas com rigor.
Os promotores podem mandar a polícia refazer o trabalho, reexaminar suas
conclusões e ir atrás de novos indícios.
Não podem, no entanto, substituir a polícia. Não podem ocupar seu lugar quando discordam da investigação.
O Estadão escreveu que a PEC 37 merece ser aprovada.
Conheço opiniões que defendem uma outra proposta, que preserve o
poder de investigação da polícia, mas assegure que os promotores possam
supervisionar o trabalho.
Observadores céticos de Brasília julgam que é tudo um teatro, mais uma vez.
Se o MP faz um mutirão para ameaçar os parlamentares, estes fingem
que irão colocar a PEC 37 em votação como uma forma de amansar o
Ministério Público.
Aqueles que têm motivo real para temer uma investigação bem feita
se escondem por trás das garantias fundamentais para assegurar a própria
proteção.
Sentem-se chantageados e respondem com a mesma arma.
Mas seria bobo desprezar os aspectos políticos do debate.
As democracias justificam sua existência porque garantem os
direitos a todos e só condenam uma pessoa depois que sua culpa foi
inteiramente provada. A separação de atribuições é uma forma de a
própria sociedade controlar o que é feito e impedir abusos.
O predomínio de uma força sem controle é o caminho mais fácil para o
abuso em que se condena com base em indícios, em suposições, em
deduções ou com base em denúncias arrancadas daquele jeito tão feio e
tão selvagem que anos depois é preciso fazer Comissões da Verdade para
descobrir um pouco, mas só um pouco, daquilo que havia por trás de tanta
mentira e tanta brutalidade que envergonha a todos, não é mesmo?
Paulo Moreira Leite. Desde janeiro de 2013, é diretor da
ISTOÉ em Brasília. Dirigiu a Época e foi redator chefe da VEJA,
correspondente em Paris e em Washington. É autor dos livros A Mulher que
era o General da Casa e O Outro Lado do Mensalão..
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