30/04/2013
O blá blá blá da maioridade penal
Da Isto É Independente - 30/04/2013
Os crimes hediondos praticados por menores têm inspirado um debate deslocado e oportunista.
Paulo Moreira Leite
Na falta de ideia melhor, o governador Geraldo Alckmin, às voltas com índices vexatórios de criminalidade, resolveu iniciar um debate sobre a redução da maioridade penal. Pela insistência com que a proposta vem sendo repetida, é legítimo suspeitar que tivesse apoio em pesquisas junto a uma parcela do eleitorado.
É um debate deslocado porque hoje os juízes já podem sentenciar
menores a 3 anos de reclusão. É oportunista porque dessa forma se
esconde o verdadeiro debate, necessário e urgente, sobre segurança
pública em São Paulo.
Compreendo a indignação das famílias e parentes das vítimas.
Mas a pergunta real é saber se alguém acredita que uma simples medida desse tipo irá trazer qualquer mudança mais profunda.
Sou cético até por uma razão pratica. Todo criminoso, menor de
idade ou não, sabe que no Brasil corre o risco de ser morto em tiroteio
ou mesmo simplesmente executado pela polícia – e nem essa possibilidade,
bastante concreta, consegue dissuadir um ato violento. Será que a
chance de ser condenado irá mudar isso? Duvido.
Este cálculo pode ser feito por um cidadão que tem um horizonte de opções e escolhas para tocar sua vida.
Não é disso que estamos falando nesta discussão.
Nem todos os brasileiros vivem num país de oportunidades sociais
relativamente igualitárias e abundantes, no qual o crime pode ser visto
como um ato de escolha.
Como sabe qualquer pessoa que caminha pelo país real e tem empatia
para procurar entender um ponto de vista diferente do seu, o crime
muitas vezes é uma opção possível num quadro de abandono, violência e
falta de oportunidades.
Nada o justifica. De forma alguma.
Mas não estamos falando optar entre a escola e a rua, um trabalho
razoável e um 38 de cano raspado, certo? Nem de um mundo onde a polícia
atua com eficiência e dispõe de recursos necessários para o serviço,
certo? Estamos num universo de carência geral.
A criminalidade, no Brasil, tem uma natureza social óbvia. Por isso
as prisões estão cada vez mais cheias e nem por isso a segurança
aumenta na mesma proporção. Está na cara que há algo maior do que a luta
de mocinho e bandido dos filmes americanos, certo?
O único lugar onde a criminalidade tem apresentado quedas
significativas tem sido o Rio de Janeiro. Os números das UPPs são
óbvios, grandiloquentes e incontestáveis.
Fez-se, no Rio, aquilo que sempre se soube que deveria ser feito
para combater o crime. O Estado foi deslocado para as regiões da cidade
onde a população era entregue à própria sorte. Em vez de se entregar a
população à própria sorte e de se tentar atemorizar criminosos com penas
sempre mais duras, cumpriu-se o óbvio. O Estado assumiu seu papel e
garante, com homens e armas, a segurança da população. O saldo é
conhecido de todos. Chegaram investimentos e empregos nas favelas. Até
agências bancárias foram abertas.
Eu acho tão obvio que o Rio de Janeiro tornou-se um exemplo nesta
matéria que me pergunto por que não se debate, em outros estados, uma
solução que leve essa lição em conta. Não se trata de copiar
mecanicamente uma solução. Mas de entender que ali se aplicou um
princípio político essencial, que é obrigar o Estado a cumprir sua
obrigação com a defesa do cidadão. Com adaptações, essa ideia deve ser
aplicada em todo país.
É tão obvio que chego a me perguntar por que isso não é feito. Essa é a pergunta real.
Não é difícil responder. Uma ideia que coloca a questão no plano
dos indivíduos criminosos ajuda a esconder a miséria social de São
Paulo, Estado mais rico do país, mas universo de imensas carências.
Muitas autoridades gostam de fingir que não existem favelas nem áreas
controladas pelo tráfico em São Paulo.
Um projeto com essa grandeza só é possível quando se faz uma
autocrítica do passado -- e não deve ser fácil para um partido que
administra São Paulo desde 1982 com poucos intervalos -- assumir que não
soube encarar com seriedade um problema tão serio.
Por isso é melhor fingir que a maioridade é um debate relevante.
É cômodo.
Para ajudar o projeto a caminhar, não faltam nem pensadores capazes
de criar a teoria do mau selvagem - em oposição ao bom selvagem -
apenas para dar sustentação a uma ideia que pode dar um sentimento de
reparação às famílias de vítimas, mas não levará a lugar algum.
Paulo Moreira Leite. Desde janeiro de 2013, é diretor da
ISTOÉ em Brasília. Dirigiu a Época e foi redator chefe da VEJA,
correspondente em Paris e em Washington. É autor dos livros A Mulher que
era o General da Casa e O Outro Lado do Mensalão.
.
.
.
Nenhum comentário :
Postar um comentário
Veja aqui o que não aparece no PIG - Partido da Imprensa Golpista