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05/07/2013
Snowden, Evo Morales e adeus às ilusões
Urariano Mota
Recife (PE) - Os últimos acontecimentos na política
internacional trazem uma luz didática para todas as pessoas que
acreditam na liberdade e democracia do capitalismo. O mundo do capital,
mais conhecido em propaganda e livros didáticos como o sistema de “livre
mercado”, recebeu nestes dias uma clareza de desmonte.
Para situar os fatos nos últimos 30 dias, primeiro Edward Snowden, um
ex-técnico da CIA, revelou para todo o planeta que o governo dos
Estados Unidos espiona a vida íntima, pessoal de cidadãos não só no
território norte-americano. Se ficasse somente entre os governados por
Obama, a espionagem já seria um escândalo, uma prova hard e real do
imaginado pelo escritor George Orwell, quando profetizou a existência do
Big Brother. Mas o revelado pelo funcionário da CIA foi mais longe.
Diplomatas e governos da União Europeia são também espionados. E mais:
todos somos rastreados nos telefones celulares e nas informações da
internet que passem pelo Google, Apple e o Facebook. E-mails, fotos e
outros arquivos dos usuários em todo o mundo são aprisionados. O que é
uma realização dos evangelhos: nada escapa aos olhos de Deus.
Depois veio o que nos atinge mais direto na carne. Evo Morales,
soberano presidente da soberana Bolívia, depois de uma visita a Moscou,
foi proibido de passar pelo espaço aéreo de Portugal, França, Espanha e
Itália. Isso porque havia a suspeita de que o avião presidencial
transportasse também Edward Snowden. Notem até onde vai o adeus às
ilusões de liberdade, democracia e respeito à soberania dos povos. As
nações europeias, elas próprias espionadas, obedeceram à ordem da
segurança do governo de Obama. Por hipótese ou suspeita, um chefe de
Estado foi impedido de sobrevoar espaço aéreo de país amigo, sem
qualquer declaração de guerra. O espaço era livre, pensava Evo Morales
ao sair de Moscou. Mas ficou provado que o céu não é do condor. É dos
Estados Unidos.
Mas para o diretor de Políticas do Conselho das Américas – uma
organização empresarial que produz análises e estudos sobre a América
Latina –, Christopher Sabatini, a questão é bem mais simples. Olhem o
que falou para a BBC Brasil: “Parceria é uma via de duas mãos. Para um
país ser tratado com respeito, precisa respeitar as prerrogativas de
segurança nacional de outro". Entendem? Para Christopher Lee, digo,
Sabatini, o presidente Evo Morales foi desrespeitado porque não teria
respeitado a segurança dos Estados Unidos. Notem que a frase
“respeitar as prerrogativas de segurança nacional de outro" não tem o
mesmo significado para todos os países do mundo. Pois o analista quer
dizer: a segurança nacional do outro é sempre a segurança dos Estados
Unidos.
Ou seja, no caso da Bolívia, o presidente Evo Morales pôde sofrer
riscos à própria vida, mas não estava no uso da segurança nacional. Com
pouco combustível no avião, passou pelo sufoco de um bloqueio do espaço
aéreo no céu e por constrangimentos que são insuportáveis até mesmo para
passageiros comuns. Ele teve que pousar em Viena, onde ficou 14 horas,
até que sua rota fosse enfim autorizada. E depois, reabasteceu o avião
no Brasil, na bela cidade de Fortaleza. A nota oficial da presidenta
Dilma foi a mais dura dos países sul-americanos:
“... O noticiado pretexto dessa atitude inaceitável - a suposta
presença de Edward Snowden no avião do Presidente -, além de fantasiosa,
é grave desrespeito ao Direito e às práticas internacionais e às normas
civilizadas de convivência entre as nações. Acarretou, o que é mais
grave, risco de vida para o dirigente boliviano e seus colaboradores.
Causa surpresa e espanto que a postura de certos governos europeus
tenha sido adotada ao mesmo momento em que alguns desses mesmos governos
denunciavam a espionagem de seus funcionários por parte dos Estados
Unidos, chegando a afirmar que essas ações comprometiam um futuro acordo
comercial entre este país e a União Europeia”.
De passagem, vale destacar que o tempo da reação de nossa presidenta
contra a agressão a Evo Morales, a demora do governo brasileiro em
responder, não foi o que desejam os críticos mais sectários à esquerda,
que são ótimos governantes em palavras e desejos. Mas para o colunista
importantes são a natureza da declaração e o peso que a economia mais
poderosa da América Latina joga contra esse insulto a uma nação irmã. E
do meu canto concluo: importa mais a retirada da máscara de um mundo
livre sob os Estados Unidos. Nestes últimos 30 dias, ficou demonstrado
que o céu não é do condor.
Urariano Mota - É
pernambucano, jornalista e autor dos livros "Soledad no Recife" e “O
filho renegado de Deus”. O primeiro, recria os últimos dias de Soledad
Barrett. O segundo, seu mais novo romance, é uma longa oração de amor
para as mulheres vítimas da opressão de classes no Brasil.
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