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24/09/2013
Dilma fez discurso à altura
Da ISTOÉ Independente - 24/09/2013
Acho muito provável que parte da reação de Dilma possa lhe trazer benefícios em 2014, como se acredita. Fazer o quê, se Barack Obama comportou-se como um cabo eleitoral ao contrário?
O esforço de comentaristas conservadores para minimizar a espionagem da NSA sobre o governo brasileiro e, em particular, contra Dilma Rousseff apenas demonstra o grau de submissão a Washington já aceito por tantas pessoas de gravatão, nariz empinado e espaço generoso nos meios de comunicação. Eles já começam a reclamar que Dilma fez um discurso duro demais na ONU.
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Num esforço para ir à essência do debate, acho possível discutir a
relação entre Senhor e Escravo descrita por Hegel, o criador do
idealismo alemão.
Para Hegel, Senhor e Escravo são personagens de uma dependência
mútua. Ao Senhor só era possível exercitar sua dominação porque o
Escravo havia interiorizado sua posição como um cidadão dominado – e nem
sequer era capaz de pensar o mundo de outra maneira.
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Dilma fez um discurso à altura da espionagem americana. Empregou
palavras duras para uma agressão inaceitável. Denunciou um ataque aos
direitos humanos e às liberdades civis. E bateu no ponto certo ao falar
da soberania nacional. Questionando na raiz o argumento dos EUA para
atos de espionagem, lembrou que o governo brasileiro repudia o
terrorismo e não hospeda organizações terroristas.
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Considerando o tamanho da ofensa recebida, seu pronunciamento foi um desses gestos que deveriam receber apoio unânime.
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Acho muito provável que parte dessa reação de Dilma possa lhe
trazer benefícios em 2014, como se acredita. Fazer o quê, se Barack
Obama comportou-se como um cabo eleitoral ao contrário?
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Mas não é esse o motivo das críticas. Grande parte de seus
adversários não suporta uma postura de recusa à submissão, mesmo no
plano simbólico. Poderiam até, quem sabe, aceitar um protesto – desde
que tivesse o tom de um pedido de desculpas.
Denunciaram a decisão de cancelar a visita aos EUA como um gesto de
marketing, o que é uma forma de evitar o debate real. A denúncia da
espionagem envolve um caso claro de interesse nacional.
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O Brasil está incluído entre as nações que não completaram, ainda,
um processo de desenvolvimento autônomo, capaz de permitir um controle
efetivo sobre suas próprias riquezas. Os brasileiros têm uma consciência
da postura encurvada, e até pior, de muitas autoridades em relação aos
Estados Unidos. E aplaudem governantes capazes de atitudes firmes.
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A espionagem da NSA mostrou-se inaceitável pelo que se fez e pelo
que não se fez. Não dá para um país que define o Brasil como aliado seja
capaz de agir pelas costas, buscando informações estratégicas sobre a
economia, sobre o ministério e também sobre as conversas da presidente.
As relações entre os países podem ser mais tumultuadas do que o convívio
de muitos casais, mas exigem certa compostura.
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Apanhado em flagrante, a reação dos EUA foi pior ainda. Nada disse
nem explicou, atitude que denuncia o caráter frágil de seus
compromissos. Capaz de partilhar as informações secretas com Inglaterra,
Canadá, Austrália e Nova Zelândia, a Casa Branca recusou-se a revelar
ao governo brasileiro aquilo que havia sido capturado no Brasil e que
agora é partilhado, também, pelos aliados referenciais de Washington,
num gesto que pode ser interpretado como deslealdade em dobro.
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Nesta situação, uma resposta mais suave seria uma demonstração de covardia.
Paulo Moreira Leite. Diretor da Sucursal da ISTOÉ em Brasília, é autor de "A Outra História do Mensalão". Foi correspondente em Paris e Washington e ocupou postos de direção na VEJA e na Época. Também escreveu "A Mulher que Era o Outro General da Casa".
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