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27/09/2013
O tiro no pé das entidades médicas
Rechaçar programa do
governo, sem propor alternativas, evidenciou dilemas de profissão
atordoada com tecnologia e massificação do atendimento
Da Carta Capital - por Lilian Terra*
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publicado
26/09/2013 16:16,
última modificação
26/09/2013 16:37
Jaru-RO: posto de saúde pichado em março, por moradores obrigados a percorrer 30 quilômetros até médico mais próximo
[Este é o blog do site Outras Palavras em CartaCapital. Aqui você vê o site completo]
As entidades que
em teoria representam a classe médica deram um tiro no pé. Ao se oporem
ao programa “Mais Médicos”, tudo o que conseguiram foi fortalecer a
imagem de elitistas e corporativistas que vem nutrindo ao longo das
últimas décadas.
Nem sempre foi assim. Há não muito tempo atrás a
medicina era vista como um dom, um sacerdócio. O médico era como o
padre, sabia da vida das famílias que assistia – suas angústias,
aflições. Era, além de cuidador, conselheiro. Mas o perfil do cuidado em
saúde mudou. A tecnologia trouxe avanços de forma muito rápida e talvez
o médico não tenha sabido conciliar os novos conhecimentos com a antiga
e preciosa escuta do doente. Além disso, o acesso à saúde ampliou-se
bem mais que a quantidade de médicos formados, de maneira que os que
estavam no mercado precisaram captar os novos pacientes, em detrimento
do tempo de atenção a cada um.
Hoje, temos muitas escolas médicas no País, com
estudantes que buscam status e enriquecimento, mas também que buscam
salvar vidas, cuidar de pessoas, independentemente de cor, credo ou
classe social. Há ainda aqueles que buscam um sistema de saúde melhor e
mais justo para o Brasil. Entram na faculdade entre seus 17 e 20 anos,
vindos de famílias mais abastadas, de escolas particulares, tendo tido
até então pouco ou nenhum contato com a pobreza, exceto aqueles
provocados pela violência ou pelos funcionários mais pobres da família. A
faculdade precisaria fazer com que estes futuros médicos abram seus
olhos para esta nova realidade que se apresenta.
O fato é que existe muito preconceito dentro da
classe médica com o trabalho na atenção básica. O “médico do postinho” é
visto como alguém inferior, que não teve sucesso em escolher uma
especialidade. As residências de Saúde Coletiva, Medicina Preventiva ou
Saúde da Família são menos procuradas. Todos aspiram a ser Ivo Pitangui,
quase ninguém a ser Osvaldo Cruz. Quando se fala em ir para o interior
ou trabalhar nos Centros de Saúde da periferia, sempre dizem que não há
estrutura e condições de trabalho – o que é bem verdade, mas talvez não
seja o motivo real da recusa.
Tudo isso ficou muito claro no debate
acerca do Programa Mais Médicos do governo federal. As entidades
erraram, ao não mostrar à população que algumas alternativas já vinham
sendo debatidas. Desde 2009, por exemplo, tramita no Legislativo a
Proposta de Emenda Constitucional 454, cujo objetivo é instituir a
Carreira de Estado para médicos.
Quatro anos depois, a PEC segue sob análise de uma comissão especial. endo aprovada. A que aprovada, tramitará por tempo indefinido até apreciação do plenário das duas casas do Legislativo.
Quatro anos depois, a PEC segue sob análise de uma comissão especial. endo aprovada. A que aprovada, tramitará por tempo indefinido até apreciação do plenário das duas casas do Legislativo.
A exemplo do que ocorre no Poder
Judiciário, não faltariam profissionais mesmo nos locais mais remotos do
país – caso houvesse uma carreira. Porém, ao invés de chamar atenção
para este aspecto, as entidades médicas focaram na recusa, não nas
alternativas. Não mostraram à população o desejo real, de muitos
médicos brasileiros, de ir para estas unidades de saúde; mas, sim, o o
desejo de bloquear a vinda de estrangeiros.
Demonstraram, em sua luta,
mais medo de perder status e nível salarial do que de deixar a população
desassistida, permitindo que o governo colocasse nos médicos a
responsabilidade pela má qualidade da saúde pública.
Talvez as entidades médicas representaram bem a classe médica. Infelizmente, porém, existem profissionais que se viram abandonados pelos que deveriam representá-los – aqueles comprometidos com o SUS, que estão na luta por menos desigualdade social, por mais acesso aos serviços públicos, por mais qualidade destes serviços. Mais comprometidos que o próprio governo, que parece rejeitar a proposta de iniciativa popular que visa destinar 10% da receita bruta da União para a saúde. Ao se dirigir ao Congresso na última quarta-feira, 18/09/2013, a ministra Miriam Belchior afirmou não ser possível destinar essa fatia para o financiamento da saúde, ainda que especialistas tenham estudado previamente a proposta e que outros países destinem uma parte ainda maior de seu PIB.
Talvez as entidades médicas representaram bem a classe médica. Infelizmente, porém, existem profissionais que se viram abandonados pelos que deveriam representá-los – aqueles comprometidos com o SUS, que estão na luta por menos desigualdade social, por mais acesso aos serviços públicos, por mais qualidade destes serviços. Mais comprometidos que o próprio governo, que parece rejeitar a proposta de iniciativa popular que visa destinar 10% da receita bruta da União para a saúde. Ao se dirigir ao Congresso na última quarta-feira, 18/09/2013, a ministra Miriam Belchior afirmou não ser possível destinar essa fatia para o financiamento da saúde, ainda que especialistas tenham estudado previamente a proposta e que outros países destinem uma parte ainda maior de seu PIB.
Enquanto isso, as entidades médicas não
tomam posição ao lado do governo ou ao lado da população. São uma
terceira categoria, cada vez mais isolada. Como apontou a colunista
Cláudia Colluci, em recente texto para a Folha de São Paulo, os
médicos precisam se colocar “na pele de quem vive nos rincões sem
assistência médica” e provavelmente este é um exercício muito difícil
para jovens da classe média alta brasileira – certamente bem mais do que
o das provas de vestibular.
*Lilian Terra é médica formada
pela Universidade Federal de Minas Gerais. Atua na atenção básica do SUS
de Campinas- SP, onde faz parte de uma equipe de saúde da família
(PSF). É apaixonada pelo projeto do SUS e pela saúde pública e espera
que um dia o sistema de saúde brasileiro seja de fato universal e não
haja necessidade de se recorrer a Planos de Saúde ou serviços privados.
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