10/05/2016
Os padrões de manipulação da mídia
Jornal GGN – O Marco
Zero preparou um didático material a respeito dos padrões de manipulação
da mídia, com base nas análises do jornalista, sociólogo e professor
Perseu Abramo. Com exemplos reais, de capas de jornais e revistas, a
publicação explica os padrões de ocultação, fragmentação, inversão e
indução, presentes na cotidianamente na mídia.
Do Marco Zero
Para que serve a imprensa? Há um certo
consenso nas redações pelo Brasil e o mundo afora de que a grande mídia é
uma espécie de cão de guarda do interesse público, um xerife a postos
para proteger a sociedade e fornecer – com isenção, imparcialidade e
equilíbrio – as informações e fatos mais relevantes para que o público
possa criar seu juízo de valor e tomar as suas próprias decisões. Mas se
esses ideais podem ser questionados no seu dia a dia, em tempos
sombrios, como os que vivemos agora, eles estão definitivamente em
xeque.
Você já se perguntou por que um assunto é
manchete e outro notinha de pé de página? Você já se perguntou por que
fatos idênticos envolvendo personagens distintos pode, em um caso, gerar
a indignação feroz de colunistas e comentarista e, em outro, o mais
retumbante silêncio? Já se questionou como são tomadas as decisões sobre
quando, como, onde e por que uma declaração ou acontecimento ganha o
status de notícia?
Nada disso acontece por acaso ou está
baseado apenas em critérios técnicos. Para entender os processos de
manipulação da informação praticados diuturnamente pelos veículos da
grande mídia e exacerbados agora com a pauta-única da destruição do PT,
de Lula e Dilma, nada mais oportuno do que trazer à tona as análises do
jornalista, sociólogo e professor Perseu Abramo, morto em 1996. Nascido
em 1929, Perseu iniciou sua vida profissional em 1946, tendo atuado em
veículos da grande mídia, como O Estado de S. Paulo e a Folha de S.
Paulo, e alternativos, como o jornal Movimento.
Os padrões de manipulação foram
sistematizados por Perseu no período do pensamento único neoliberal do
início da gestão do então presidente Fernando Henrique Cardoso. Vinte
anos depois continuam atualíssimos.
“A maior parte do material que a
imprensa oferece ao público tem algum tipo de relação com a realidade.
Mas essa relação é indireta. É uma referência indireta à realidade, mas
que distorce a realidade. Tudo se passa como se a imprensa se referisse
à realidade apenas para apresentar outra realidade, irreal, que é a
contrafação da realidade real…”
“A relação entre a imprensa e a
realidade é parecida com aquela entre um espelho deformado e um objeto
que ele aparentemente reflete: a imagem do espelho tem algo a ver com o
objeto, mas não só não é o objeto como também não é sua imagem; é a
imagem de outro objeto que não corresponde ao objeto real. A manipulação
da informação se transforma, assim, em manipulação da realidade”.
Conheça os quatro padrões de manipulação apontados por Perseu Abramo:
1) Padrão de ocultação:
“É o padrão que se refere à
ausência e à presença dos fatos reais na produção da imprensa. Não se
trata, evidentemente, de fruto do desconhecimento e nem mesmo de mera
omissão diante do real. É, ao contrário, um deliberado silêncio
militante sobre determinados fatos da realidade…”.
“A ocultação do real está
intimamente ligada àquilo que frequentemente se chama de fato
jornalístico. A concepção predominante (…) é a de que existem fatos
jornalísticos e fatos não jornalísticos e que, portanto, à imprensa cabe
cobrir e expor os fatos jornalísticos e deixar de lado os
não-jornalísticos…”.
“(Acontece que) o jornalístico
não é uma característica intrínseca do real em si, mas da relação que o
jornalista, ou melhor, o órgão do jornalismo, a imprensa decide
estabelecer com a realidade. Neste sentido, todos os fatos, toda a
realidade pode ser jornalística, e o que vai tornar jornalístico um fato
independe das suas características reais intrínsecas, mas depende, sim,
das características do órgão de imprensa, da sua visão do mundo, da sua
linha editorial, do seu “projeto”.
Delcídio citou, entre outros, Lula, Dilma e Aécio. Mas o tucano sumiu da edição da revista
O grau de virulência e espetacularização
da cobertura das denúncias contra o ex-presidente Lula e a presidenta
Dilma comparado ao silêncio condescendente em relação a acusações
envolvendo personagens como FHC, Geraldo Alckmin, José Serra e Aécio
Neves é notório. O critério de noticiabilidade que funciona no caso dos
petistas não serve para as lideranças tucanas.
E o que falar das denúncias de corrupção
envolvendo o peemedebista Eduardo Cunha? Deliberadamente omitidas ou,
no melhor dos casos, minimizadas por tanto tempo pela grande imprensa,
garantindo-lhe o caminho livre até a Presidência da Câmara dos
Deputados. Justamente ele, Cunha, o personagem central e permanente do
“projeto” de desestabilização do governo Dilma.
2) Padrão de Fragmentação:
“A realidade é apresentada ao
leitor não como uma realidade, com suas estruturas e interconexões, sua
dinâmica e seus movimentos e processos próprios, suas causas, suas
condições e suas consequências. O todo real é estilhaçado, despedaçado,
fragmentado em milhões de minúsculos fatos particularizados, na maior
parte dos casos desconectados entre si, despojados de seu vínculo com o
geral, desligados de seus antecedentes e de seus consequentes no
processo em que ocorrem, ou reconectados e revinculados de forma
arbitrária e que não corresponde aos vínculos reais, mas a outros
ficcionais e artificialmente inventados”.
“Novamente os critérios para
esta seleção não residem necessariamente na natureza ou nas
características do fato decomposto, mas sim nas decisões, na linha, no
projeto do órgão de imprensa, que são transmitidos, impostos ou adotados
pelos jornalistas destes órgãos”.
A descontextualização é a filha mais
velha da fragmentação. A construção diária e continuada, desde a
reeleição da presidenta Dilma, de um cenário de “fim de mundo” foi
obstinadamente perseguida pela grande imprensa. O noticiário negativo
serviu frequentemente como pauta política para os agentes do capital
financeiro (o tal “mercado”) e a oposição radical. Dados econômicos
foram e são apresentados fora do contexto internacional, as
“expectativas” do mercado se transformaram em “dados de realidade”. A
especulação com o dólar e a flutuação da bolsa de valor ganham o status
de humor da opinião pública nacional.
É curioso que durante os anos da gestão
presidencial de Lula e no primeiro mandato da presidenta Dilma os ganhos
sociais e econômicos alcançados tenham sido sistematicamente
apresentados pela grande mídia fora do seu contexto, parecendo no mais
das vezes não estarem vinculados a ações efetivas de governo, mas
resultado natural de um momento de bonança mundial. Assim, os problemas
econômicos de hoje estão relacionados a ações internas de má gestão e o
sucesso de ontem ao cenário positivo internacional. Um veneno meticulosa
e fragmentariamente inoculado na consciência do leitor/telespectador ao
longo dos últimos anos.
3) Padrão de Inversão
“Opera o reordenamento das
partes, a troca de lugares e de importância dessas partes, a
substituição de umas por outras e prossegue, assim, com a destruição da
realidade original e a criação artificial de outra realidade”.
Inversão da relevância dos aspectos:
“O secundário é apresentado como
o principal e vice-versa; o particular pelo geral e vice-versa; o
acessório e supérfluo no lugar do importante e decisivo; o caráter
adjetivo pelo substantivo; o pitoresco, o esdrúxulo, o detalhe , enfim,
pelo essencial”.
Da mídia para as ruas, pedalinho vira alegoria nos protestos
Os pedalinhos com os nomes dos netos de
Lula no sítio de Atibaia e o barco de R$ 4 mil adquiridos pela
ex-primeira dama Marisa Letícia ganham relevância no noticiário para
reforçar o processo de criminalização do ex-presidente. Eles dão aos
manifestantes contrários ao governo imagens-símbolo dos supostos abusos.
Como aconteceu no passado com o AeroLula, o avião presidencial
adquirido no governo Lula e que também ganhou as ruas como ícone da
malversação de recursos públicos. Se uma imagem vale mais do que mil
palavras, a grande imprensa fornece a imagem necessária para o escracho
nas ruas.
Vista em retrospecto a polêmica
envolvendo o AeroLula parece, o que de fato foi, algo sem sentido,
banal. Fato menor e irrelevante da vida pública. Mas esse fato ocupou
meses do noticiário da grande mídia e gerou reações acaloradas de
comentaristas políticos e da oposição ao governo, como agora acontece
com os pedalinhos e o barco de R$ 4 mil.
Inversão da forma pelo conteúdo:
“O texto passa a ser mais
importante do que o fato que ele reproduz: a palavra, a frase, no lugar
da informação; o tempo e o espaço da matéria predominando sobre a
clareza da explicação; o visual harmônico sobre a veracidade ou a
fidelidade; o ficcional espetaculoso sobre a realidade”.
Não há tempo a perder. O vazamento dos
áudios envolvendo o ex-presidente Lula e a presidenta Dilma acontece no
momento exato para ser veiculado em rede nacional no dia em que Lula é
anunciado para o cargo de ministro da Casa Civil. O tempo noticioso
pressiona o tempo político. A imprensa faz a sua síntese, põe fogo no
noticiário, sem que os envolvidos possam fazer o contraponto, pelo menos
não a tempo de conter o incêndio. Há um espetáculo para ir ao ar. As
explicações podem vir depois, são de praxe, não devem interferir no rumo
dos acontecimentos jornalísticos. São um detalhe que não pode nem deve
comprometer o êxtase noticioso.
Inversão da versão pelo fato:
“Não é o fato em si que passa a
importar, mas a versão que dele tem o órgão de imprensa, seja essa
versão originada no próprio órgão de imprensa, seja adotada ou aceita de
alguém – da fonte das declarações e opiniões… Frequentemente, sustenta
as versões mesmo quando os fatos as contradizem. Muitas vezes, prefere
engendrar versões e explicações opiniáticas cada vez mais complicadas e
nebulosas a render-se à evidência dos fatos. Tudo se passa como se o
órgão de imprensa agisse sob o domínio de um princípio que dissesse: se o
fato não corresponde à minha versão, deve haver algo de errado com o
fato”.
“No lugar dos fatos, uma
versão, sim, mas de preferência a versão oficial. E a melhor versão
oficial é a da autoridade, e a melhor autoridade, a do próprio órgão de
imprensa. À sua falta, a versão oficial da autoridade cujo pensamento é o
que mais corresponda ao do órgão de imprensa”.
As delações premiadas da Operação
Lava-Jato se tornaram a maior fonte de versões que ganharam o status de
fatos jornalísticos nestes tempos sombrios. É o triunfo do jornalismo
declaratório do qual agora o jornalista sequer participa porque não é
ele quem entrevista, ao contrário, recebe tudo pronto, dado, entregue
oportunamente (ou oportunisticamente) pelas autoridades judiciais ou
policiais. Tudo, entenda-se, que pode servir ao programa de
desestabilização e enfraquecimento do governo, por que é disto que se
trata a pauta. O bombardeio de delações judiciais/versões jornalísticas
ganha as manchetes e se torna dado de realidade. As delações terão que
ser comprovadas em juízo para terem validade legal, mas nos jornais,
revistas e no noticiário de TV elas já são verdade, sem checagem, sem
apuração, sem cuidado. Sem jornalismo.
Próprio Ombudsman confirmou que manchete era falsa
Inversão da opinião pela informação:
“O órgão de imprensa apresenta a
opinião no lugar da informação, e com o agravante de fazer passar a
opinião pela informação. O juízo de valor é inescrupulosamente utilizado
como se fosse um juízo de realidade. O leitor/telespectador já não tem
mais diante de si a coisa tal como existe ou acontece, mas sim uma
determinada valorização que o órgão quer que ele tenha de uma coisa que
ele desconhece, porque o seu conhecimento foi oculto, negado e
escamoteado pelo órgão”.
Time de comentaristas da GloboNews: muita gente e uma única opinião
No jornalismo brasileiro, a pseudo
pluralidade não se dá na pauta, no fazer diário da atividade
jornalística, mas no aumento gigantesco do número de comentaristas e
analistas. Mas essa é uma pluralidade que não se manifesta de verdade. O
caso do Sistema Globo é notório. No jornal, na TV, nas rádios do grupo,
dezenas de comentaristas entoam diariamente o mantra do “fim do mundo”,
do “fim do governo”. A informação é um detalhe no emaranhado de
opiniões e “impressões dos bastidores”. O fato importa menos do que como
os jornalistas/analistas veem o fato. E as opiniões precisam ser ditas
rápida e ininterruptamente para que elas passem a “ser o fato”, antes
que o leitor/telespectador possa tirar suas próprias conclusões. O
contexto não é mais formado pelas circunstâncias que envolvem o fato em
si, mas pelas opiniões dos jornalistas que o enquadram e embrulham para o
público.
4) Padrão de Indução
“Submetido, ora mais, ora
menos, mas sistemática e constantemente, aos demais padrões de
manipulação, o leitor é induzido a ver o mundo não como ele é, mas sim
como querem que ele o veja. A indução se manifesta pelo reordenamento ou
pela recontextualização dos fragmentos da realidade, pelo subtexto –
aquilo que é dito sem ser falado – da diagramação e da programação, das
manchetes e das notícias, dos comentários, dos sons e das imagens, pela
presença/ausência de temas, segmentos do real, de grupos da sociedade e
de personagens… Depois de distorcida, retorcida e recriada
ficcionalmente, a realidade é ainda assim dividida pela imprensa em
realidade do campo do Bem e realidade do campo do Mal, e o
leitor/telespectador é induzido a acreditar não só que seja assim, mas
que assim será eternamente, sem possibilidade de mudança”.
Dividir a cobertura (o Brasil) entre o
Bem e o Mal foi desde o início o principal objetivo da grande mídia, em
que pesem os eventuais discursos em favor da paz e da civilidade.
Costumamos falar na judicialização da política, mas na verdade o que
existe hoje no país é a judicialização do jornalismo, que diariamente
aponta o dedo e dá sua sentença sobre quem é e quem não é bandido. Quem
pode e quem não pode ter acesso à plena liberdade de expressão. Neste
tribunal-noticiário falam primeiro as autoridades policiais e judiciais,
depois os jurados da oposição e, em seguida, perto do final do
julgamento-matéria, os reús e suas breves notas de repúdio. Mas a
sentença quem determina é a grande mídia, em forma de editorial, como o
jornal Estado de São Paulo fez recentemente – pedindo um Basta! e
insuflando o impeachment – ou como a Revista Veja faz desde sempre.
Voltemos à análise assertiva de Perseu Abramo:
“É evidente que os órgão de
comunicação, e a indústria cultural de que fazem parte, estão submetidos
à lógica econômica do capitalismo. Mas o capitalismo opera também com
outra lógica, a lógica política, a lógica do poder -, e é aí,
provavelmente, que vamos encontrar a explicação da manipulação
jornalística… Esses grandes órgãos efetivamente são autônomos e
independentes, em grande parte, em relação a outras formas de poder. Mas
não – como querem fazer crer – porque estejam acima dos conflitos de
classe, da disputa do poder ou das divergências partidárias. Nem porque
estejam a serviço do Brasil ou da parte do Brasil que constitui o seu
específico leitorado. Mas sim porque são eles mesmos, em si, fonte
original de poder, entes político-partidários, e disputam o poder maior
sobre a sociedade em benefício dos seus próprios interesses e valores
políticos”.
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PITACO DO ContrapontoPIG
Noam Chomssky tem razão:
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Noam Chomssky tem razão:
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