30/12/2016
Porque o “pensamento positivo” de Temer é uma tolice perversa
POR FERNANDO BRITO
A angústia de um blogueiro de politica e economia, cuja tarefa é selecionar e contextualizar os fatos mais relevantes para os que o leem, toda manhã, é ver se cumpriu esta missão e não deixou de fora aquilo que está nos jornais e é importante.
É obra de cansaço e risco, até porque, nestes tempos, temos um governante que decide de manhã e recua da decisão à noite – se é que vai tão longe.
Ontem, o ocupante da Presidência pediu “pensamento positivo” e, há uma semana, disse que 2017 será “o ano em que vencemos a crise”.
Admita-se, por generosidade, que Sua Excelência não esteja, como transpira dele, sendo cínico, falso e supérfluo. Que não queira explicar o fracasso presente e use, para isso, um “tudo, tudo vai dar pé”.
Aí você vê a manchete de hoje de O Globo, com previsões ao inverso, mas com a reafirmação da “fé” de que, no segundo semestre, as coisas melhoram.
E você se pergunta: isso é um duelo de desejos, uma confronto de simples expectativas e é neste campo que se decidirá a sorte dos brasileiros. É com “wishful thinking” que se terá sucesso, como nos mais medíocres livros de autoajuda ou, ao reverso, é com pessimismo que a desgraça profetizada se realizará?
Em economia, claro, expectativas são uma das variáveis, porque implicam em tomada de decisões: investir ou não, comprar ou não o que não é o essencial apenas, apostar na melhora e contrair dívidas que uma atividade mais intensa permitirá que sejam pagas ou fugir delas, porque amanhã será pior.
Não é preciso ser economista para sentir isso e agir conforme a percepção.
Mas economia não é apenas futurologia, premonição, “insight”.
Daí em diante, o critério deve ser o do Chico Buarque, nos versos de Fortaleza: A minha tristeza não é feita de angústias/A minha surpresa é só feita de fatos/De sangue nos olhos e lama nos sapatos.
Decisões econômicas, como todas as decisões voluntárias, são decisões baseadas em conveniência, oportunidade e capacidade.
É conveniente investir em atividades que reproduzam o capital? Sim, mas qual? É oportuno fazer isso aqui ou ali, agora o depois? E, finalmente: “sou capaz de fazê-lo, tenho essa disponibilidade financeira, material, de conhecimento e de gestão?”
Porque a resposta a estas perguntas é que decidirá se, como e onde se investirá.
A primeira, em escala nacional, não é como a nossa, de mortais, que a medimos sobre o que termos “guardado”. O conceito de poupança, aqui é diferente, porque as disponibilidades de pessoas e empresas estão, todas elas, aplicadas em alguma atividade, já. E financeira.
É a taxa de remuneração e o prazo em que esta se dará o que definirá se elas ficam onde estão ou para onde devem ir.
A atratividade de um investimento sem risco e que paga inflação mais cinco ou seis por cento ao ano é, óbvio, superior a qualquer outra.
Sair deste campo e ir para o do investimento físico, seja em produção ou infraestrutura depende do horizonte que esteja ao alcance dos olhos ou do pensamento razoável.
As pessoas vão comprar mais sapatos, roupas, cerveja, brinquedos, computadores, celulares, geladeiras do que estão comprando hoje? Vão fazer isso em escala que a capacidade de produção atual não utilizada seja incapaz de atender? Porque é indiscutível que os que já detêm a capacidade e as estruturas para fazê-los têm vantagem competitiva sobre o novo investimento.
Num país com o menor nível de utilização de sua capacidade industrial instalada já registrado na história e com uma retração monstruosa nos níveis de consumo a resposta é óbvia: não.
Na infraestrutura, o mesmo. Será bom negócio investir em estradas, aeroportos, portos se não há perspectivas de deslocamento de pessoas ou mercadorias crescer num horizonte plausível? Pode ser, mas para isso é necessário que a oportunidade tenha força suficiente para impor-se á conveniência e isso implica em adquirir ativos ou concessões neste campo a preço de banana.
Traduzindo para a vida comum. Não está bom o mercado de aluguéis, os preços pararam de subir e até estão caindo, pela baixa procura, como vimos aqui, há poucos dias, no caso dos galpões industriais e comerciais em São Paulo. Mas suponha que você tem recursos e fôlego para aguentar a maré baixa e aquele galpão, muito bem localizado e instalado, está sendo entregue na bacia das almas e você dispõe do dinheiro. Comprar pode ser uma boa, mas isso não quer dizer que o armazém voltará à atividade, empregará vigias, arrumadores de cargas, conferentes, que voltará a fazer parte da cadeia de produção e comércio.
Trata-se, apenas, de transferência de propriedade entre quem está enforcado e aqueles que têm fôlego. Não é difícil saber que são uns e outros no Brasil de hoje.
O movimento declinante da economia brasileira, como qualquer movimento, segue a primeira Lei de Newton, tende a continuar, salvo se uma nova força entrar em cena. Achar que a “mini-injeção” de recursos feita com uma liberação, diluída no tempo, de alguns tostões parados nas contas inativas do FGTS – e que serão em boa parte drenados pelo mercado financeiro, pela quitação de dívidas – vá ser essa força vai além da ingenuidade: é má-fé.
Peço desculpas pela longa reflexão que poderia ser reduzida a um “Temer não está dizendo a verdade”, mas apesar do “sangue nos olhos” que provocam as suas medidas de desmonte do Brasil e de degola dos direitos do trabalhador, é preciso ir além do que ele faz, para que não se incorrer no simples “pensamento negativo” em oposição ao seu desejado “pensamento positivo”.
Não é o caso de estar numa “torcida” contra, mas o de explicar porque o caminho que levou ao desastre, mantido, só leva a mais desastres.
O nosso jornalismo econômico, dominado pela crença neoliberal de que é preciso afundar cada vez mais no túnel para encontrar a luz ao seu final esconde do povo brasileiro que a única luz que haverá ao final do túnel da recessão e da paralisia econômica é a do fogo do inferno social e humano para onde estão nos levando.
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