Por Fernando Brito
Graciliano Ramos, em seu “Memórias do Cárcere” diz que “”quem dormiu no chão deve lembrar-se disto, impor-se disciplina, sentar-se em cadeiras duras, escrever em tábuas estreitas. Escreverá talvez asperezas, mas é delas que a vida é feita: inútil negá-las, contorná-las, envolvê-las em gaze”.
Li, ontem, uma entrevista do presidente uruguaio José “Pepe” Mujica à agência chinesa Xin Hua, reproduzida pelo Opera Mundi, onde a “notícia” é o fato dele recusar o título de “presidente mais pobre do mundo” e doar 90% do salário que recebe a instituições humanitárias.
Mas o que me chamou mais atenção foram as sábias lições de coerência dadas por Mujica ao longo da conversa.
Mujica, que não tem conta em banco nem cartão de crédito, cria galinhas e planta flores em uma chácara modesta nos arredores de Montevidéu, tem um fusca, outro carro velho e três tratores usados no cultivo de sua propriedade e de outras duas, onde tem a metade da terra. Porque ele vive assim?
“Segundo o presidente uruguaio, essa opção de vida foi gestada durante os anos em que viveu preso sob duras condições (1972-1985) em razão de sua atividade como guerrilheiro como membro do MLN-T (Movimento de Libertação Nacional – Tupamaro), movimento que lutou contra a ditadura militar.
“Por que cheguei a esse ponto? Porque vivi muitos anos em que, quando recebia um colchão à noite para dormir já me dava por contente. Foi quando passei a valorizar as coisas de maneira diferente”, disse ele sobre seus tempos de cárcere, quando disse ter passado a conversar com rãs e formigas para “não enlouquecer”.”
As dificuldades não querem dizer amargura.
“Eu não sou pobre, pobre é quem precisa de muito para viver”, diz Mujica, que não pretende ganhar dinheiro nem depois do mandato: ““Depois terei de gastar tempo para cuidar do dinheiro e muito mais tempo da minha vida para ver se estou perdendo ou ganhando. Não, isso não é vida”
“”Sou austero, sóbrio, carrego poucas coisas comigo, porque para viver não preciso muito mais do que tenho. Luto pela liberdade e liberdade é ter tempo para fazer o que se gosta”, disse o presidente. Ele considera que o indivíduo não é livre quando trabalha, porque está submetido à lei da necessidade. “Deve-se trabalhar muito, mas não me venham com essa história de que a vida é só isso”.
Por isso, em uma entrevista á TV Espanhola, Mujica reagiu assim à sua possível indicação ao Prêmio Nobel da Paz, por sua política antidrogas.
“Estão loucos. Que prêmio da paz, nem prêmio de nada. Se me derem um prêmio desses seria uma honra para os humildes do Uruguai conseguirem um dinheiro a mais para fazer casinhas… no Uruguai temos muitas mulheres sozinhas com quatro, cinco filhos porque os homens as abandonaram e lutamos para que possam ter um teto digno… Bom, para isso teria sentido. Mas a paz se leva interiormente. E o prêmio eu já tenho. O prêmio está nas ruas do meu país. No abraço dos meus companheiros, nas casas humildes, nos bares, nas pessoas comuns. No meu país eu caminho pela rua e vou comer em qualquer bar sem essa parafernália de gente de Estado.”
Os nossos contemporâneos parecem ter esquecido de que a austeridade não é uma privação, mas uma libertação. Ela permite que estejamos libertos das correntes da submissão pela necessidade imaginária, da concessão ao inaceitável, da traição ao que pensamos e sentimos e que, por isso, deixamos de pensar e de sentir.
O progresso e a riqueza não são fins em si mesmos, mas ferramentas de libertação coletiva e de felicidade geral.
Ou, talvez, apenas de liberdade e felicidade, porque estas são bens sempre coletivos, assim os povos são como um trigal que, embora composto de milhões de plantas, move-se e reluz como uma unidade.
Gente como José Mujica, como as plantas que cultiva, não é eterna. Mas deixa sementes.
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