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07/12/2016
Previdência vai matar o pobre, a mulher e o camponês
Gabas: reforma recria o trabalho infantil de forma brutal!
Conversa Afiada - publicado
07/12/2016
PHA:
Eu vou conversar agora com Carlos Gabas, que foi Ministro da
Previdência duas vezes no Governo Lula e uma vez no Governo Dilma.
Ministro, qual é o impacto dessa medida da Reforma da Previdência
apresentada pelo Governo e que faz com que só receba a Previdência
integral quem completar 49 anos de contribuição?
Carlos Gabas: O
impacto é muito pesado, muito forte sobre os trabalhadores,
especialmente aqueles mais pobres, que têm menor qualificação, menor
salário e que começam muito cedo no mercado de trabalho. A transição que
foi colocada é muito dura. Na verdade, não teve nenhuma discussão com a
sociedade. Ela abrange de uma maneira muito ampla o universo
previdenciário. O que tem que ficar bem claro é que nós não estamos
falando de uma parcela rica da população, mas de pessoas pobres. A
Previdência paga salários de até R$ 5.189. Eu não posso dizer que uma
família que tem essa renda é rica. E, na sua grande maioria, mais de
dois terços dos benefícios da Previdência, dos mais de 34 milhões de
benefícios, são de um salário mínimo: então, estamos falando de gente
pobre! Isso significa que, ao fazer uma modificação dura como essa, você
está penalizando a parte mais pobre da população.
PHA: Você podia dar uma
ideia do impacto das regras de transição ? Lembrando que a proposta
apresentada institui como regra de transição o pedágio de 50% sobre o
tempo de contribuição para quem está perto de se aposentar, – homens
acima de 50 anos e mulheres acima de 45 –, o que põe fim à fórmula
85/95.
CG: Nós
trabalhávamos, primeiro, com uma compreensão de que nós estamos lidando
com gente pobre. Segundo, que é uma política social que distribui renda,
que trabalha com o bem-estar da sociedade. Então, qualquer mudança de
regra é sensível para as pessoas. A transição de uma regra para outra
deve ser suave. Vamos pegar uma trabalhadora de 44 anos que já tinha 29
de contribuição - faltava um para ela se aposentar: ela vai se aposentar
agora só aos 65 anos de idade! É uma virada de mesa muito grande para
cima de inúmeros trabalhadores.
PHA: Vamos falar,
então, da questão da idade mínima, que pretende institui 65 anos para
todos darem entrada no pedido de aposentadoria e, além disso, o
trabalhador tem de ter, nessa idade, ao menos 25 anos de contribuição.
Qual o impacto disso?
CG: Primeiro, ele [o
impacto] é muito mais forte para as mulheres. A mulher, por todo o
conjunto de situações e dificuldades que ela enfrenta na sociedade -
discriminação no trabalho, na renda, em casa, parcela de
responsabilidade muito maior na criação dos filhos, enfim, uma dupla,
tripla jornada... Por isso é que a Constituição previa um tratamento
diferenciado para as mulheres. A regra proposta trata todo mundo igual. E
mais: ela impõe uma idade mínima de 65 anos que não é fixa: cada vez
que o IBGE detectar o aumento da expectativa de sobrevida, há um artigo
na PEC que obriga que essa idade suba de acordo com essa sobrevida. Só
para você ter uma ideia: nos últimos 10 anos, a expectativa de sobrevida
cresceu 4,6 anos. Se isso estivesse vigente lá atrás, a idade mínima já
seria quase 70 anos.
PHA: Vamos tocar agora
num outro ponto que, aparentemente, chocou até o Paulinho da Força, que,
como se sabe, trabalhou entusiasmadamente pelo Golpe: é a questão da
mudança no cálculo. O valor do benefício será determinado a partir do
equivalente a 51% do valor médio das 80 remunerações mais elevadas
registradas desde 1994, acrescido de 1 ponto percentual para cada ano de
contribuição. Isso, na sua opinião, vai significar que tipo de correção
do valor?
CG: Há consequências
aí muito nefastas para o trabalhador! Você estabelece que o
trabalhador, para se aposentar, tem que ter 65 anos de idade e, no
mínimo, 25 de contribuição, tanto homem, quanto mulher. Só que, no
cálculo, eu não dou 100% do salário de benefício. Você pega a média das
80 maiores contribuições e dá um valor, mas eu não dou para ele 100%
desse valor. Eu dou 51%. E, depois, vou acrescer 1% para cada ano
trabalhado. Isso significa dizer que o trabalhador, para se aposentar
com seu salário integral, tem que ter 65 anos de idade e mais 49 de
contribuição. Isso é muito cruel! Então, o que vai acontecer: nós
trabalhamos em nossos Governos - tanto do Presidente Lula, quanto da
Presidenta Dilma - para colocar as nossas crianças na escola. Queríamos o
jovem estudando para que tivesse oportunidades de trabalho, com uma
formação melhor. Foi um trabalho intenso para evitar que crianças e
adolescentes entrassem no mercado de trabalho - ou jovens com uma idade
de 15, 16 anos. O que vai acontecer é que esse esforço todo - de
Educação, de transformação pela qualificação - vai por água abaixo.
Imagine: o cidadão, para ter direito à aposentadoria integral, tem que
ter 49 anos de contribuição. Vai ter que começar com 15, 16! Do
contrário, não se aposenta nunca. Nunca vai ter o seu benefício
integral.
PHA: Ou seja, nós vamos estimular o trabalho infantil?
CG: Ele não está
estimulando, está quase obrigando o trabalho infantil. Porque, se não
for isso, a pessoa nunca vai se aposentar com salário integral. É por
isso que nós tínhamos uma regra que levava em conta o tempo de
contribuição somado à idade. Quanto mais tempo de contribuição, quanto
mais cedo ele entrou no mercado de trabalho, ele poderia reduzir a
idade. Isso protege o mais pobre, o menos qualificado, o de menores
salários. Lembrando que o trabalhador, hoje, que consegue manter um
emprego a vida toda, de estabilidade, é normalmente com os trabalhos
mais qualificados, com melhor renda, com organização sindical... Então,
esses têm uma certa estabilidade. São os melhores empregos. Os piores
empregos são aqueles que o cara perde a cada ano, a cada dois anos, a
cada seis meses, e fica desempregado. Na média, o DIEESE calculou que
um trabalhador, durante a vida toda, fica em média sete anos
desempregado. Por isso, a grande maioria dos trabalhadores se aposenta
por idade.
PHA: Outra questão que
me chama atenção é: o trabalhador rural, que hoje apenas comprova
atividade no campo para requerer o benefício aos 60 anos (55 para a
mulher), terá de contribuir ao INSS por 25 anos e cumprir a idade mínima
de 65. Qual o impacto disso?
CG: Vale dizer, sem
exageros, que isso é o fim da aposentadoria do homem do campo. Segurado
especial, que é esse atingido pela medida... Quem é o segurado especial?
É o pequeno agricultor, que trabalha em regime de economia familiar; o
homem, a mulher, os filhos, às vezes um parente que mora junto, enfim,
são pequenas propriedades. Essas pequenas propriedades são responsáveis
pela produção de mais de 70% dos alimentos que chegam à nossa mesa. As
pessoas pensam que o nosso alimento vem latifúndio, mas não vem. O
latifúndio produz as commodities, para exportação. O nosso alimento vem
do pequeno agricultor. Como é a regra desse pequeno agricultor hoje? Ele
contribui com a Previdência, porque quando comercializa a produção, é
obrigado a recolher 2,6% do valor dessa comercialização; acontece que,
na maioria das vezes, ele não vende direto. A produção dele é comprada
por um atravessador. Aí, esse atravessador paga um tributo - que nós
chamamos de substituição tributária - à Previdência Social. Então, essa
contribuição existe. E ele se aposentava - o homem, aos 60 anos de
idade, a mulher, aos 55. Quem conhece o campo como eu, que sou caipira,
sabe que as crianças com 10, 12 anos já estão trabalhando. Não é por
maldade dos pais; é uma rotina que existe no campo. Vamos colocar que
comece aos 15: ainda assim, se ela se aposentar aos 65, vai trabalhar,
no mínimo, 50 anos. Sabe o que são 50 anos de sol a sol com uma enxada
na mão? Quem fez a regra não conhece o que é o trabalho do campo, não
sabe a responsabilidade que ele tem com a nossa alimentação! Esse
camponês - e estamos falando do camponês dos rincões do País -, vai ter
que parar um dia da sua produção, fazer uma guia de recolhimento para a
Previdência e ir ao banco pagar. Você acredita que ele vai fazer isso?
Não vai fazer isso! Essa regra inviabiliza a proteção previdenciária do
homem do campo. Ele vai estar sem Previdência Social. É uma das mais
crueis que têm a PEC.
PHA: Uma contribuição que, a bem da verdade se diga, foi criada pelos regimes militares.
CG: Nós tivemos lá
no regime militar a criação de uma proteção que nós, hoje, pretensamente
numa Democracia, estamos acabando. É um retrocesso enorme e nós não
podemos deixar que isso aconteça.
PHA: Na pensão por
morte, a regra estabelece que os proventos deixarão de ser integral e
vinculados ao reajuste do salário mínimo. A aposentadoria por invalidez
passará a ser proporcional. Qual o efeito disso?
CG: Um casal de
velhinhos. O marido é aposentado e ganha um salário mínimo - está nesse
universo de mais de dois terços dos nossos aposentados. Se ele morrer, a
velhinha vai receber metade de um salário mínimo. Essa regra reduz a
renda de milhões e milhões de trabalhadores.
PHA: Mas vai mesmo reduzir à metade?
CG: Vai receber a metade.
50%. E tem mais um ponto, que é o benefício de prestação continuada
para idoso, carente e deficiente carente*. Eles mexem também nesse
benefício, desvinculam do salário mínimo e atribuem à Lei a
fixação de um valor. Então, ele vai poder receber meio salário mínimo,
ou um terço de salário mínimo. Eles vão fixar um valor. Não vai ter mais
vinculação com o salário mínimo, e vai piorar muito a vida dos
deficientes carentes e dos idosos carentes. E sobre o conjunto dos
aposentados e pensionistas, ainda, tem uma outra medida que, essa sim,
vai reduzir o salário para todo mundo. Todos os aposentados e
pensionistas passarão a pagar Previdência. Aposentado vai pagar
contribuição previdenciária, também. Hoje não paga. Então, ele vai ter
uma redução imediata no valor de seu benefício - para todo o conjunto
dos 34 milhões de beneficiários da Previdência.
PHA: Qual é a diferença
central que você mencionaria entre o que vocês estavam, no governo
Dilma, planejando para submeter aos trabalhadores em Reforma da
Previdência, diante da expectativa de vida do brasileiro, e essa reforma
que o Temer apresentou?
CG: Você acompanhou,
ainda no governo do presidente Lula, nós instituímos a primeira versão
do Fórum Nacional de Previdência. E, em maio de 2015, a presidenta Dilma
editou um decreto, preocupada com a sustentabilidade da Previdência. E
todos nós temos essa preocupação. Eu já disse isso várias vezes: nós
temos um desafio muito grande, que é a transição demográfica. As pessoas
estão vivendo mais e estão envelhecendo. Então, nós precisamos, sim,
atualizar nossas regras. Mas, como eu disse, a Previdência é uma
política tão sensível, tão importante na vida dos trabalhadores, que
nenhum governo tem o direito de mandar um pacote de medidas - nesse
caso, um "pacote de maldades" - sem discutir com a sociedade. É possível
você encontrar soluções que não retirem direitos. Nós vínhamos
discutindo, por exemplo, as dívidas dos empresários com a Previdência
Social. Ontem, a PGFN (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional) soltou um
estudo que diz que existem R$ 1,8 trilhão de créditos para serem
cobrados de 13 mil pessoas físicas e jurídicas. Treze mil - a maioria
pessoas jurídicas - devem quase dois trilhões de reais para o Governo.
Por que não se cobra essa dívida, ao invés de se retirar direitos dos
trabalhadores? Nós estávamos discutindo o pacote de medidas de acelerar
cobranças nesses créditos.
PH: Claro.
CG: A PGFN tem que
ter melhores condições, a lei tem que ser mudada, para que a gente
consiga cobrar esses créditos. Porque hoje da forma como é, a
recuperação de crédito é muito baixa. Pra você ter uma ideia, o índice
de recuperação de crédito do nosso mecanismo de cobrança é 0,7%, é muito
baixo. Então nós temos que cobrar quem deve e não tirar de quem tem o
direito confiscado a duras penas, por isso que a presidenta convocou as
centrais sindicais, os empregadores, aposentados e esse conjunto de
reitores que tem responsabilidade com a presidência. Então nós vinhamos
debatendo, não tínhamos formulado nenhuma proposta concreta, vinhamos
fazendo análise dos quadros e nós paramos o golpe que deu quando
estávamos discutindo o pacote de cobrança de créditos das empresas
devedoras da previdência social.
* O Benefício da
Prestação Continuada da Lei Orgânica da Assistência Social (BPC/LOAS) é,
hoje, a garantia de um salário mínimo mensal ao idoso acima de 65 anos
ou ao cidadão com deficiência física, mental, intelectual ou sensorial
de longo prazo, que o impossibilite de participar de forma plena e
efetiva na sociedade, em igualdade de condições com as demais pessoas.
Gabas: 2/3 recebem um salário mínimo! São "os vagabundos" do FHC
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