14/11/2015
“Apesar da crise”, um país menos desigual. Salvo, claro, nos detalhes dos jornais
O caro leitor deve ter visto todas as matérias que, hoje, noticiam “o aumento da desigualdade social” no Brasil, usando como base a Pesquisa nacional por Amostra Domiciliar, a Pnad.
Aí em cima, numa pesquisa no Google, quem não leu pode ter uma ideia do tom usado.
E, no destaque, a exceção: o Valor.
Que, mesmo fazendo o registro da desaceleração provocada pela retração econômica, chama a atenção para o mais importante.
“O rendimento médio mensal real dos
10% mais mal remunerados no país quase dobrou em dez anos — cresceu 91%
entre 2004 e 2014 — mas dados da Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílio (Pnad) realizada no ano passado revelam que o avanço da renda
tem ocorrido em ritmo mais lento.”
O fantástico crescimento da renda dos mais pobres, em valores reais (ali está corrigida a inflação) que, embora ainda estando em níveis vergonhosos, dificilmente se encontra neste mundo injusto.
Segundo o Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), entre 2011 e 2014, os rendimentos desse
grupo tiveram crescimento de 12,7%, taxa bem inferior à registrada nos
três anos anteriores, de 28,9%.
Ainda assim, ao longo de uma década,
os ganhos do décimo da população que menos recebe cresceram três vezes
mais do que os do estrato dos 10% mais bem remunerados, cujos
rendimentos aumentaram em 29,7%.
A queda da desigualdade na Região Sudeste. O índice de Gini, que a mede, indicando com valores decrescentes (zero seria a perfeita igualdade) as disparidades de renda subiu – e apenas na região, em todas as outras baixou – em três milésimos, de 0,483 para 0,485, de 2013 para 2014. No Nordeste baixou seis vezes mais, 19 milésimos ( de 0,509 para 0,490 mas, claro, isso jamais será manchete.
Para compreender estes números ao longo de sua série, é bom saber que o índice, em 2002, era de 0,560 no Sudeste e de 0,600 no Nordeste. Mas isso, claro. não vem ao caso.
O outro destaque foi para o aumento do trabalho infantil.
Certamente é muito ruim que tenha sido interrompida a sequência de quedas que há muito tempo se vem registrando, mas o resultado é muito pouco considerável – pode mesmo ser uma flutuação estatística – para que se diga que aumentou, como você vê na tabela divulgada pelo IBGE, cujo conjunto pode ser obtido aqui.
É preciso considerar com muita atenção este dado, até porque a maioria do trabalho infantil agrícola se dá em atividades familiares, onde não se vai registrar “desemprego”. Outro fator importante pode ser a falta de reajuste no Bolsa-Família dentro de um quadro de aceleração inflacionária.
De toda forma, o que salta dos dados da PNAD é o quão socialmente criminoso seria abandonar o projeto de valorização do salário – especialmente o mínimo – e cortar a política de subvenções sociais que se pratica há mais de uma década.
Exatamente o que desejam os que “comemoram” resultados de pesquisas de indicadores sociais que lhes dêem algum gancho para dizer que vivemos um desastre, como se desastre não fosse o tempo em que eles mandavam neste país.
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