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10/07/2016
Voltar ao primeiro artigo da Constituição
Do Blog do Miro - domingo, 10 de julho de 2016
Quando há uma crise generalizada como esta que estamos vivendo e sofrendo sem perspectiva de uma saída que crie consenso, não temos outra alternativa senão voltar à fonte do poder politico, expressão da soberania de um povo. Temos que resgatar todo o valor do primeiro artigo da Constituição, parágrafo único:”Todo poder emana do povo”.
O povo é, pois, o sujeito ultimo do poder. Em momentos em que uma nação se encontra num voo cego e perdeu o rumo de seu destino, este povo deve ser convocado para dizer que tipo de país quer e que tipo de democracia deseja: esta com um presidencialismo de coalizão, feito de negócios e negociatas para garantir uma suficiente base parlamentar ou uma democracia de verdade, na qual os representantes eleitos representam efetivamente os eleitores e não os interesses corporativos e empresariais que lhe garantiram a eleição? Urge avançar mais: precisamos dar forma política à vontade de participação por parte do povo organizado nos destinos do país, mostrada nas jornadas de 2013.
No fundo volta a questão básica: vamos nos alinhar aos que detém o poder mundial (inclusive de matar todo mundo) ou vamos construir o nosso caminho autônomo, soberano e aberto à nova fase planetizada da humanidade?
O primeiro projeto prolonga a história ocorrida até os dias de hoje: desde a Colônia, passando pelo Império e pela República sempre fomos mantidos subalternos. Os ibéricos não vieram para fundar aqui uma sociedade mas para montar uma grande empresa internacional privada, uma verdadeira. agro-indústria, destinada a abastecer o mercado mundial. Essa lógica perdura até os dias atuais: tentar transformar nosso eventual futuro em nosso conhecido passado. Ao Brasil cabe ser o grande fornecedor de commodities sem ou com parca tecnologia e valor agregado, num processo de recolonização.
Lamentavelmente este é o intento do atual governo interino, especialmente do PSDB que claramente se alinha a um severo neoliberalismo que implica diminuição do Estado, ataque aos direitos sociais em favor do mercado e uma inescrupulosa privatização de bens públicos como o pré-sal entre outros.
O projeto alternativo finca suas raízes na cultura brasileira e no aproveitamento de nossa imensa riqueza que nos pode sustentar como nação independente, soberana e aberta a todas as demais nações. Seríamos uma grande potência, não militarista, nos trópicos, com uma economia, entre as maiores do mundo com um mercado interno vigoroso.
Curiosamente, as jornadas de junho de 2013 e posteriormente, mostraram que o povo percebeu os limites da formação social para os negócios. Quer ser sociedade, quer outras prioridades sociais, quer outra forma de ser Brasil. Numa palavra, quer ser uma sociedade de humanos,de cidadãos ativos, coisa diversa da sociedade de negócios. Tal propósito implica refundar o Brasil sobre outras bases.
Mas quem escutou, de verdade, o clamor das ruas, especialmente, dos jovens? Efetivamente ninguém, pois tudo ficou mais ou mewnos como antes.
O que, na verdade, nos faltou em nossa história, foi uma verdadeira revolução como houve na França, na Itália e em outros países que desse um novo rumo ao Brasil com novos sujeitos de poder. Mas o tempo das revoluções passou. Hoje preferimos falar em processos de transformação, como tentei elaborar junto um cosmólogo canadense, Mark Hathaway em nosso livro O Tao da libertação:explorando a ecologia da transformação (Vozes 2012, livro premiado nos USA com a medalha de ouro em ciência e cosmologia). Mas as transformações atingem o coração do sistema e dão origem a um novo paradigma de exercício de poder visando antes de tudo a preservação das bases ecológicas que sustentam nossa vida, a civilização, a natureza e o planeta Terra, tida como um super Ente vivo. Mas este seria outro tema que que nos levaria longe.
Importa reconhecer que a história nunca é uma continuidade, algo que cresce organicamente de uma para outra coisa. Ela é feita de descontinuidades e rupturas radicais, transformações que derrubam uma ordem e instauram uma nova.
No Brasil, como sempre lamentava Celso Furtado, nunca tivemos essa ruptura. O que predominou em todo o tempo até hoje é a política de conciliação entre os poderosos e as elites que controlam o ter, o saber e o poder. O povo sempre ficou de fora como incômodo aos acertos feitos por cima e contra ele.
O que está ocorrendo agora com a tentativa de impeachment da Presidenta Dilma Roussef, legitimamente eleita, é de dar continuidade a esta política de conciliação das elites, do capital rentista e financeiro, daqueles 10%, segundo o IBGE de 2013 que controlam 42% da renda nacional, articulados com o judiciário e com a grande mídia conservadora. Jessé Souza do IPEA os enumera: são 71.440 super ricos que, por trás manejam o Estado e os rumos da economia na perspectiva de seus intersses, absolutamente egoistas, conservadores e anti-populares.
Não lhes importa a perversa desigualdade social, uma das maiores do mundo, que se traduz em favelização de nossas cidades, violência incontrolável, geração de humilhação, preconceito e degradação social por falta de infra-etrutura, de saúde, de escola e de transporte.
Se o Brasil foi fundado como empresa e para continuar como empresa transnacionalizada, é hora de se refundar como sociedade de cidadãos criativos e conscientes de seus valores.
O meu sonho é que a atual crise com o sofrimento que encerra, não seja em vão. Que ela crie as bases para o que Paulo Freire chamaria de “o inédito viável”: nunca mais coalização entre os poucos ricos de costas para as grandes maiorias. Que se busque viabilizar o que prescreve a Constituição em seu terceiro artigo (IV):”promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”
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