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05/11/2016
Papa Francisco quer dialogar com os movimentos sociais, diz Stédile
Jornal GGN sab, 05/11/2016 - 14:18
Jornak GGN - O Vaticano e o Papa Francisco
receberam representantes de movimentos sociais e lutas populares de todo
o mundo, em encontro mundial desde quarta-feira (02) até este sábado
(05). Entre os convidados estava o ex-presidente do Uruguai, José Pepe
Mujica, o fundador da Associação Libera, que combate os abusos da máfia
italiana, Luigi Ciotti, a filósofa e ecologista hindu, prêmio Nobel
Alternativo Vendana Shiva, e o coordenador do Movimento de Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST), João Pedro Stédile.
Stédile participou da abertura do evento, a cargo do Comitê
Organizador do Encontro Mundial dos Movimentos Populares (EMMP). Ao
todo, de acordo com a imprensa do Vaticano, participaram cerca de 200
membros integrantes de 92 movimentos populares de 65 países.
"Depois de 20 anos de um papado conservador, que afastou os
movimentos sociais da Igreja, agora, o Papa Francisco, com a sua vontade
política de dialogar com os movimentos populares, estamos construindo
esse diálogo desde outubro de 2013", disse Stédile, em vídeo gravado
direto de Roma.
O líder nacional do MST também concedeu uma entrevista ao jornal
italiano Il Manifesto, publicada no dia 2 de novembro. Leia a tradução
feita por Moisés Sbardelotto:
Quais são as expectativas dos movimentos populares?
Desde que Francisco assumiu o pontificado, ele manifestou de
diferentes formas a vontade de construir uma ponte com os movimentos
populares, os trabalhadores excluídos, os povos nativos, os indígenas,
com as pessoas de todas as etnias e religiões para analisar os graves
problemas da humanidade que afligem a maioria da população. Assim,
construímos um caminho permanente de diálogo. Realizamos um primeiro
encontro em 2014, depois um encontro mais latino-americano e, em
seguida, um encontro de massa na Bolívia, em agosto de 2015. E, agora,
continuamos com este terceiro encontro, que reúne mais de 200
companheiros de todos os continentes.
Avançaremos na discussão sobre questões candentes da humanidade,
que dizem respeito a todos: a democracia burguesa hipócrita que não
respeita a vontade da população; a apropriação privada dos bens comuns
da natureza, e os temas que são levantados pelos refugiados em todo o
mundo. A partir desse diálogo frutífero, sempre tiramos conclusões,
sínteses coletivas, que nos ajudam, depois, a desenvolver o debate
político com as nossas bases sociais sobre os graves problemas que temos
no mundo, infelizmente os mesmos por toda parte, sobre quais são as
suas causas e o que devemos fazer para enfrentá-los.
Mas, enquanto isso, continuam os homicídios de
ambientalistas, daqueles que defendem os territórios e os recursos, de
Honduras à Colômbia. A deputada indígena Milagro Sala ainda está presa
na Argentina, e, no Brasil, Michel Temer escancara as portas para as
multinacionais dos transgênicos.
Sim, infelizmente. No primeiro encontro, em Roma, tivemos a
presença de Berta Cáceres, que entregou um longo documento ao papa sobre
as agressões do capital ao ambiente e aos povos indígenas em toda a
América Central. Neste encontro, ela não estará. Foi assassinada. E
muitos outros, ameaçados pelo capital e pelos seus governos em diversos
países, não virão a este encontro. Por isso, certamente, discutiremos
com mais profundidade ainda os crimes contra ambientalistas que aumentam
em todo o mundo.
E por que aumentam? Porque, em tempos de crise estrutural do
capitalismo, as grandes corporações aumentam a pressão pela apropriação
rápida e privada dos bens da natureza, porque é a forma mais veloz de
obter lucros extraordinários, por causa da enorme diferença entre o
custo de extração (o valor do trabalho) e o preço de mercado, de bens
que são raros. Nesse sentido, desde o primeiro encontro, fomos muito
longe no debate.
A encíclica Laudato si recolhe essas reflexões comuns na doutrina
cristã, mas também as divulga entre os ambientalistas e os movimentos
populares. Essa encíclica é o nosso principal instrumento para aumentar a
consciência e o debate em todo o mundo. Francisco conseguiu fazer uma
síntese do problema ambiental que nenhum pensador de esquerda tinha
feito antes.
Muitas coisas, infelizmente, mudaram desde o segundo encontro: no Brasil, na Argentina...
E aqui deve ser aprofundado o tema da falsa democracia e do
fracasso dos Estados. Não se trata apenas de uma onda ofensiva da
direita. É o fracasso do velho Estado burguês, criado pela burguesia
industrial na Europa no século 18, que agora não funciona mais, nem
mesmo para os interesses do capital financeiro.
Os Estados nacionais não servem mais ao capital financeiro e às
corporações internacionais, que fazem aquilo que querem. E as eleições
não respeitam mais a vontade popular, porque o voto é manipulado pela
televisão, pelo dinheiro das empresas, pela corrupção, e essa situação
provoca descontentamento e ceticismo entre as massas.
Temos pela frente um longo caminho, mas, certamente, devemos pensar
em outro tipo de Estado, em outras formas de democracia participativa,
popular. Por isso, também convidamos a esposa de George Sanders
(pré-candidato democrata com perfil progressista nas eleições
presidenciais dos Estados Unidos), e Pepe Mujica (ex-presidente do
Uruguai), para discutir conosco neste terceiro encontro.
Para o Bicentenário da Independência da Argentina, o papa
enviou uma mensagem abertamente "bolivariana". Como se evidencia o tema
da Pátria Grande neste encontro? E o que você pensa sobre o diálogo
entre Maduro e a oposição, assumido pelo Vaticano na Venezuela?
O Papa Francisco conhece muito bem toda a América Latina, desde os
tempos em que ajudava a coordenar os encontros do Conselho Episcopal
Latino-Americano. No último, realizado no Brasil, ele coordenou a
redação do documento final. Eu acho que ele assumiu um compromisso
profundo com todos os pobres, os trabalhadores, que provém do Evangelho.
E ele sabe que a maioria em todo o continente continua sendo explorada
por uma minoria, 1% dos capitalistas, agora subordinados aos interesses
das empresas transnacionais e dos bancos estrangeiros. Por isso, ele
sempre se coloca ao lado dos trabalhadores e contra as grandes
corporações.
Eu acredito que, para além das contradições do Estado do Vaticano,
que deve manter uma diplomacia de boa vizinhança com todos os outros
Estados, o papa sabe o que está acontecendo na Venezuela. Lá, está se
desenvolvendo um confronto pelo controle da renda petrolífera: para
decidir se ela continuará sendo empregada para os investimentos sociais
para todo o povo, ou se voltará a servir aos interesses de uma minoria. É
claro que o país vive uma grave crise econômica, como, aliás, todo o
continente, do México ao Chile. E todos os modelos econômicos adotados
nas últimas décadas estão em crise. É positivo que o papa tenha mantido
uma atitude de negociação no caso da Venezuela, porque a direita pede a
guerra, quer afundar o governo, como já fez em Honduras, Paraguai e
Brasil, com golpes institucionais. Ou com a manipulação midiática, como
faz no México, Guatemala, Panamá, Peru, Colômbia, Argentina, Chile, para
citar alguns.
E em que ponto estão as lutas dos movimentos populares no Brasil e na América Latina?
O Brasil vive por uma grave crise econômica, política, social e
ambiental, como todo o continente. Diante disso, os governos
subordinados aos interesses dos Estados Unidos e das suas empresas estão
implementando políticas neoliberais cada vez mais selvagens: o que
significa tirar direitos dos trabalhadores, conquistados ao longo de
séculos, apropriar-se dos recursos públicos e do orçamento, reduzindo ao
mínimo as despesas sociais de educação, saúde etc., apropriar-se dos
recursos naturais e incrementar medidas repressivas contra as
manifestações.
Porém, no Brasil e em toda a parte, há reações, mobilizações
populares. Embora estejamos resistindo, estamos em uma situação de
refluxo do movimento de massa em geral, em todo o continente. Mas eu
acredito que, por causa das condições objetivas e da situação política,
os problemas vão se agravar, e, muito em breve, a classe trabalhadora e a
juventude vão sair às ruas: mas não só para protestar, mas para exigir
novos modelos de política econômica, novos programas, novos governos.
Estamos nesse ponto, tentamos aumentar a conscientização, organizar
os movimentos populares para que lutem e para ver se, no futuro
próximo, o movimento de massas se levanta, tanto no Brasil quanto em
vários países do continente atingidos pelo neoliberalismo. E há sinais
nesse sentido, porque a juventude começa a se mover. Já temos mais de
1.000 escolas secundárias ocupadas pelos estudantes, e agora as
universidades também começaram. Já são dez, incluindo os estudantes da
Universidade de Brasília, que ocuparam a universidade nessa terça-feira.
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