quinta-feira, 25 de agosto de 2016

Nº 19.806 - "Jessé de Souza e a radiografia do golpe guiado pelos donos do dinheiro"

 

25/08/2016 

 

Jessé de Souza e a radiografia do golpe guiado pelos donos do dinheiro

 

Do Viomundo - 23 de agosto de 2016 às 22h10
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por Jessé de Souza, no prefácio do livro A Radiografia do Golpe


Ao escrever este livro, meu interesse é possibilitar o entendimento por parte de qualquer pessoa com formação média e boa vontade para compreender como e por que a sociedade brasileira foi enganada em um dos golpes de Estado mais torpes de nossa história.

Como o mundo sempre nos é exposto em fragmentos, nossa compreensão tende a ser sempre confusa, localizada, personalizada, dramatizada e, o que resume tudo, “novelizada”. Enxergamos apenas pessoas, separadas em boas e más, e nunca percebemos os “interesses” que as movem.

Contrapor-se a essa leitura dominante e superficial do mundo, que é reproduzida em praticamente todos os nossos jornais e canais de televisão, é o fito deste livro.

Meu desafio foi articular e tornar compreensível a complexa rede de interesses impessoais que, a exemplo do teatro de marionetes, prende os fios que permitem criar o drama reproduzido pelas pessoas no palco da vida.

A primeira parte do livro visa ao esclarecimento das pré-condições do golpe.

Trata tanto do desvelamento dos mecanismos que permitem à elite do dinheiro ser a “mandante” do golpe, realizado por outros em seu nome — sem que essa elite seja sequer mencionada na trama – quanto da explicitação dos novos conflitos de classe, fruto da recente ascensão social de setores populares, que serviram de pano de fundo para viabilizar o golpe.

Esse esclarecimento prévio me parece fundamental à compreensão das razões do golpe para além da viciada e distorcida cobertura midiática. Mas o leitor mais impaciente pode começar pela segunda parte do livro e eventualmente ler a primeira parte depois.

Meu conselho, no entanto, é ler o livro na ordem em que ele se apresenta.

Afinal, o esclarecimento de qualquer fato contemporâneo depende da reconstrução de sua perspectiva histórica. O presente não se autoexplica sem que o passado nos desvende sua gênese.


É apenas porque nunca compreendemos verdadeiramente os golpes de Estado anteriores que este atual pôde acontecer exatamente do mesmo modo, defendendo os mesmos interesses mesquinhos de sempre.
Sem autocrítica, nos tornamos presas do eterno retorno dos mesmos medos e mecanismos que nos controlam desde a mais tenra idade, sem sequer dispor de qualquer defesa contra eles. E, assim como acontece com os indivíduos, uma sociedade aprende somente com a autocrítica.

Por conta disso, os dois primeiros capítulos deste livro discutem a gênese histórica do golpe.
Seu fio condutor é mostrar como todos os golpes, inclusive o atual, são uma fraude bem-perpetrada dos donos do dinheiro, que são os reais “donos do poder”.

O núcleo de toda fraude da elite do dinheiro que faz os outros de tolos é o tema da corrupção seletiva.
Como não se sabe nem se define com precisão o que é corrupção — até bem pouco tempo só o agente do Estado podia ser punido por esse crime –, esta passa a ser uma construção arbitrária daquilo que o inimigo político faz.

Todos os golpes de Estado tiveram a corrupção como mote, precisamente porque ela se presta sem esforço a ser tomada arbitrariamente contra o inimigo político de ocasião.

A farsa é tão completa que até mesmo uma presidente que, pelo menos até a data em que o impedimento foi votado na Câmara dos Deputados e aceito pelo Senado, jamais havia sido sequer acusada de corrupção torna-se sua vítima.

Os capítulos iniciais são, portanto, imprescindíveis para mostrar como até a história do Brasil foi distorcida para que nela coubesse a possibilidade de ser usada contra o inimigo político.

Os interesses financeiros de meia dúzia de pessoas precisam primeiro colonizar nosso espírito para depois poderem assaltar nosso bolso e drenar os recursos de toda a sociedade — por meios legais e ilegais — para o bolso de uma elite mesquinha que sempre foi indiferente ao destino do país.

A elite do dinheiro é antes de tudo a elite financeira, que comanda os grandes bancos e fundos de investimento. É a ela que as outras frações de endinheirados, como a fração do agronegócio, da indústria e do comércio, confiam seu lucro.

Todas as frações de endinheirados ganham mesmo é com as taxas de juros exorbitantes, que significam uma espécie de “taxa extra” associada aos preços do mercado.

Todas as outras classes pagam essa taxa a esta ínfima elite. Isso, obviamente, não aparece nunca nos jornais ou telejornais cujos articulistas econômicos são pagos direta ou indiretamente por essa mesma elite para legitimar esse saque ao bolso coletivo.

A taxa de juros extorsiva embutida em qualquer bem ou serviço que todos consumimos precisa ser distorcida. Diz-se, por exemplo, que ela é necessária ao “controle da inflação”, mascarando-se o interesse de tão poucos em prol de um suposto interesse geral.

Uma vez que a taxa de juros, como ficará claro ao longo do livro, é definida em grande medida de modo político e arbitrário, a luta por sua manutenção em níveis altos representa o verdadeiro assalto e a verdadeira corrupção — legalizada por um Congresso majoritariamente comprado para isso –, que uma população submetida a distorções sistemáticas da realidade, por uma mídia em grande parte sócia do saque, não percebe.

Sem compreender isso, não compreenderemos por que e como essa elite do dinheiro fácil nos faz a todos de imbecis há tanto tempo. Primeiro domina-se a inteligência que vai distorcer a história e a compreensão do país para todas as outras classes por meio das universidades e das escolas.

Depois, por meio do controle direto ou indireto dos meios de divulgação da informação, é possível, dentro de circunstâncias favoráveis, distorcer e fraudar sistematicamente a forma como a sociedade percebe a si própria e quais são os verdadeiros interesses em jogo.

Afinal, são os consensos e as ideias que assimilamos sem refletir e acerca das quais não temos distanciamento reflexivo que escravizam o nosso espírito e nos fazem agir contra nossos melhores interesses.

Esse é o ponto central dos dois capítulos introdutórios deste livro: mostrar como a exploração material de todo um povo só é possível com a colonização de seu espírito e de sua capacidade de refletir.
Sem isso não entenderemos como classes sociais inteiras agiram de modo contrário aos seus interesses e, sob o pretexto de combater a corrupção, acordaram no dia seguinte ao golpe com um sindicato de ladrões mandando no país.

O terceiro capítulo mostra de que modo as transformações recentes na estrutura de classes da sociedade brasileira criaram novos conflitos e preconceitos de classe que antes estavam adormecidos.

Esse foi o verdadeiro pano de fundo, sobre o qual até agora não se refletiu e discutiu adequadamente, que possibilitou o golpe. Como a política é uma mistura de aspectos racionais e irracionais — com estes últimos muitas vezes predominando sobre os primeiros –, compreender as transformações recentes que a sociedade brasileira atravessou e as contradições que elas propiciaram é começar a compreender as verdadeiras razões para tanto ódio e tanta mentira.

Finalmente, a segunda parte do livro se destina a reconstruir o dia a dia do golpe propriamente dito.
Quem e por que dele participou ativamente foi a questão que nos orientou. Não nos interessa aqui “fulanizar” o debate, como a imprensa comprada e sócia de todos os golpes de Estado fez e faz.

Queremos, ao contrário, desvelar a grande hipocrisia da “refundação moral do Brasil” e mostrar os reais interesses corporativos e mesquinhos por trás dessa fraude. O interesse maior é perceber a complexa articulação de interesses — sempre encobertos e nunca admitidos — que permitiu a ação concertada de diversos atores sociais que terminaram na derrubada, por um pretexto ridículo e descabido, de um governo eleito democraticamente.

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O interesse aqui é nos tornar mais sábios no presente e no futuro, já que sempre fomos tão tolos no passado.

Afinal, se o interesse que atuou como motor de todo o processo foi permitir à elite do dinheiro se apropriar da riqueza coletiva sem peias, outros sócios menores se associaram à aventura: a grande mídia, por razões que ficarão claras na segunda parte deste livro, e o complexo jurídico-policial do Estado.
A “casta jurídica” também assalta o país com salários nababescos e vantagens de todo tipo que o mortal comum sequer sonha. A relação entre o gasto da máquina judiciária e o PIB nacional no Brasil é singular no mundo, como mostra a tabela abaixo.

O fato de o Brasil gastar, comparativamente, cerca de seis vezes a mais que os EUA com o poder judiciário não implica, como todos sabem, seis vezes mais eficiência na administração da justiça. Muito pelo contrário.

É que o gasto não é na eficiência do sistema, mas sim em construções faraônicas e luxuosas e em salários e vantagens de todo tipo — que evitam a transparência que o executivo mantém quanto aos salários de seus servidores –, que vão parar no bolso dos operadores jurídicos.

Sua arma mais comum para conseguir tamanhos privilégios corporativos é a chantagem política, do mesmo modo como acontece na grande mídia. O recente aumento de 41% em salários já altíssimos, pelo menos para o alto escalão do judiciário, revela o tamanho do descolamento dessa casta privilegiada em relação ao restante da sociedade.

Por isso seus interesses se ligam à reprodução, e não à critica, dos privilégios injustos. Vantagens corporativas e estratégias políticas de captura do Estado são encobertas sob o véu espaçoso da farsa de “guardião da moralidade pública”, montada para os tolos.

A grande imprensa, por sua vez, especialmente a televisão — uma concessão pública, que deveria informar com isenção –, distorceu e distorce sistematicamente a realidade social também por dinheiro.
Dinheiro que vem da propaganda de empresas com interesse direto no rentismo e no assalto legalizado ao bolso coletivo, e dinheiro público em propaganda oficial e negócios públicos de todo tipo, por meio dos quais essas empresas têm interesse em lucrar.

A grande imprensa, especialmente as grandes cadeias de TV, é, portanto, sócia na rapina executada pela elite do dinheiro sobre o bolso de todos. Vem daí o seu apoio aberto ao golpe. Como veremos na segunda parte deste livro, o exemplo empírico do Jornal Nacional, da TV Globo, mostra como a farsa que se construiu midiaticamente foi satanicamente refinada e sofisticada.

Mas como todo espectador de filme de gângster sabe muito bem, é fácil juntar aventureiros para assaltar um banco. Difícil é dividir o saque depois. Esse é precisamente o momento que estamos vivendo agora. O que fazer com o butim do assalto à soberania popular?

O partidarismo da operação Lava Jato, que ficou escancarado com as escutas ilegais e seletivas e com a perseguição e criminalização apenas da “esquerda” até o afastamento da presidente, tem agora que penetrar em terreno minado e abranger seus antigos aliados.

Sem isso, a “casta jurídica” perde seu capital de confiança recém-conquistado e se mostra ao público como um ator social tão mesquinho e venal como os outros. Esse é o aspecto central da crise atual. A luta de morte entre os políticos e os operadores jurídicos pelo espólio político do golpe.

Como sempre, não se fala em uma reforma política que torne transparente a relação entre os donos do dinheiro e a política, que é a única e verdadeira questão fundamental acerca do tema da corrupção.

A “fulanização” da corrupção, como se ela fosse privilégio de políticos e partidos específicos, e não uma variável estrutural da nossa política, é a prova mais cabal de um debate público sistematicamente distorcido pela grande mídia. É ela, afinal, a grande inimiga de qualquer ordem democrática vigorosa no Brasil de hoje.

Na conclusão do livro, discutiremos as consequências do golpe para o futuro. A construção, depois de muito tempo, de uma “direita” que se assume e que sai do armário é talvez a maior novidade política do golpe.

Esse fato vai mudar a forma como a política será feita no Brasil daqui por diante. Na outra ponta, uma esquerda que sempre sonhou com compromissos com uma “boa burguesia”, a fração industrial da classe dominante, e que sempre foi “traída” nesse amor não correspondido, tem que se pensar e se organizar de modo completamente novo a partir de agora.

É uma esquerda que, no fundo, nunca teve uma concepção própria da realidade brasileira e, por conta disso, sempre foi colonizada discursivamente pela direita que “tirava onda” de crítica. Uma esquerda que sempre imaginou que bastava um plano econômico alternativo, sem uma reflexão autônoma também sobre o Estado e sobre a sociedade, para construir um projeto de sociedade.

O golpe instaura um novo momento político para todos os atores decisivos da vida política, e a conclusão tenta mapear os limites e possibilidades de cada um. De resto, este livro não é um exercício intelectual distanciado da realidade.

A distância em relação aos fatos e a procura da objetividade só têm lugar aqui para permitir a compreensão dos motivos dos atores em disputa. Meu interesse, no entanto, é forjar uma compreensão alternativa da realidade brasileira que permita uma intervenção prática na realidade também distinta de tudo que tivemos. Afinal, sem novas ideias não existe prática política nova.

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