20/08/2016
Lula à BBC: Dilma vai enfrentar os "judas" no Senado
A história não termina dia 29!
Conversa Afiada - publicado
19/08/2016
Cristovam, quantos dinheiros?
Em entrevista ao programa Newsnight, da
BBC, publicada hoje pela BBC Brasil, Lula disse apostar no julgamento
da história. "Às vezes a história demora séculos para julgar e eu
trabalho com isso. A história não termina dia 29. Ela começa dia 29."
Confira a íntegra da entrevista concedida à repórter Júlia Dias Carneiro:
BBC Brasil: O senhor é agora
réu em processo por tentativa de obstrução da Justiça nas investigações
de corrupção na Petrobras e decidiu apelar ao Comitê de Direitos Humanos
das Nações Unidas. Por que o senhor decidiu recorrer a essa instância
internacional?
Luiz Inácio Lula da Silva: Tem uma
coisa muito esquisita aqui no Brasil. Você tem uma investigação, eu sou
vítima de acusações em que você não tem uma única prova.
Eu penso que os procuradores e os
delegados que acusaram estão com uma dificuldade muito grande, e a
imprensa numa dificuldade maior, porque como eles mentiram muito tempo a
respeito das acusações, em algum momento isso vai vir à tona, eles vão
ter que provar se procede alguma das coisas que eles me acusaram.
Por falta de prova, eles começaram a
preparar um discurso, que você deve conhecer bem, que é a teoria do
domínio do fato. Ou seja, se o Lula é presidente, ele deveria saber. Não
existe essa de você julgar em tese. Ou você prova ou não prova. Ou você
pede desculpa ou não pede desculpa.
E eu não quero nada, só quero que peçam
desculpas pelas mentiras que contaram a meu respeito. Nós temos uma
força-tarefa nesse processo. Que envolve um juiz, procurador e Polícia
Federal. Então, você não sabe quem investiga, quem acusa e quem vai
julgar. Uma mistura, todo mundo faz tudo.
Então, nós entramos com um processo no
escritório da ONU em Genebra para que a gente mostre que há, no mínimo,
uma certa suspeição no comportamento, ou seja, as pessoas querem
transformar uma mentira que eles inventaram num processo.
Estão procurando razões para justificar
o processo. Eu estou tranquilo, tenho consciência do meu papel nessa
história toda, estou tranquilo porque eles inventaram que eu tenho um
apartamento e vão ter que provar que o apartamento é meu, ou me dar um
apartamento.
Disseram que eu tenho uma chácara que
eu frequentava, e a chácara não é minha, a chácara tem dono, foi pago
com cheque administrativo, e acho que em algum momento eles vão ter que
dizer: "Olha, presidente Lula, desculpa, pensávamos que tinha, mas não
tem".
A imprensa mentiu muito e não sei se a
imprensa vai ter caráter para pedir desculpas. É por isso que eu recorri
a uma instância das Nações Unidas para ver se existe pelo menos um
comportamento exemplar de uma Justiça a serviço da justiça.
BBC Brasil: O que o senhor acha que a ONU pode trazer de efeitos concretos aqui no Brasil?
Lula: Eu não sei se pode trazer efeito
concreto. O que eu acho é que pode haver um debate. E esse debate já
começou por advogados, sindicalistas e políticos de outros países. E
pela imprensa. Se não fosse a imprensa estrangeira cobrir com uma certa
isenção e autonomia o impeachment da presidente Dilma, a versão da
imprensa brasileira é um horror.
Porque a versão da imprensa brasileira,
ela não quer saber da verdade, ela sabe que a Dilma não tem culpa, sabe
que a Dilma está sendo cassada politicamente e não cometeu nenhum
crime, mas finge que não sabe.
Então graças a Deus, foi através da
imprensa estrangeira que a gente conseguiu fazer com que líderes
importantes no mundo inteiro se dessem conta de que o país está rasgando
a sua Constituição, está rompendo com a nossa democracia incipiente. É
isso que eu quero, que haja um debate no mundo sobre o que está
acontecendo no Brasil.
BBC Brasil: O senhor tem falado
muito em uma caça às bruxas, mas por outro lado o senhor tem enfrentado
alegações muito sérias, que precisam ser investigadas.
Lula: Nenhum presidente na história
desse país fez o que a presidenta Dilma e eu fizemos para dotar o Estado
de instrumentos de combate à corrupção. Se você perguntar para qualquer
procurador qual foi o governo que mais criou condições para autonomia
do Ministério Público, eles vão dizer que foi o PT.
Se você perguntar para qualquer
delegado qual foi o partido que mais investiu na PF, que mais investiu
na inteligência da PF, eles vão dizer que foi o PT. Se você perguntar
quem fez as maiores transformações na legislação, inclusive com a lei da
delação premiada, foi PT que fez, numa demonstração que o PT entende
que a lei é para todos, e que ninguém está livre de qualquer
investigação.
O que não queremos e não poderemos
aceitar é que as pessoas façam um pacto com a imprensa, contem mentiras
para a imprensa, ou a imprensa conte mentiras para eles, porque tanto a
imprensa serve alguns procuradores como os procuradores servem à
imprensa, tanto o delegado serve à imprensa quanto a imprensa serve ao
delegado. É uma alimentação mútua na perspectiva de criar fato
consumado.
Eu não acho isso um comportamento
inteligente da Justiça. Um comportamento inteligente é aquele que você
investiga, você prova, você acusa julga, e condena. Um julgamento que
não é inteligente, você faz um pacto com a imprensa, a imprensa faz a
manchete de jornal, ela vai te criminalizando junto à opinião pública
sem nenhuma prova. Depois de dez acusações em horário nobre na televisão
ou na primeira página dos jornais, você, mesmo inocente, estará
condenado dentro da opinião pública.
BBC Brasil: O senhor tem dado
indicações de que poderia voltar a se candidatar, mas as pesquisas mais
recentes mostram que esta bem atrás daquela popularidade lá em cima de
alguns anos atrás, e isso tem a ver com todas as acusações de corrupção
que vem afetando tanto o PT como o senhor. Como o senhor reage a isso?
Lula: Olha, primeiro eu reajo com muita
naturalidade, ou seja, estou há praticamente seis anos fora da
política, até por respeito à presidenta Dilma, que acho que ela tinha
que ter liberdade para governar o país. Então é normal que a pesquisa
não seja mais a pesquisa do ano que eu saí da Presidência, com 87% de
"bom e ótimo".
Mas tenho clareza de que na hora que a
gente começar a debater neste país, que a gente começar a mostrar o que o
PT fez nesse país, da diferença do governo do PT com os governos do
passado, eu tenho certeza que o povo vai se lembrar que o que o PT
trouxe em 12 anos de benefício para esse povo - com educação, saúde,
trabalho, politica agrícola - eles não fizeram em 200 anos.
Então eu estou tranquilo que eles não
vão conseguir nem criminalizar o PT, e muito menos criminalizar o Lula. É
preciso que a verdade venha à tona e é isso que estamos buscando, que o
Judiciário tenha liberdade, que o Ministério Público tenha liberdade, e
defendo a tese de que toda instituição, quando ela é forte, ela tem que
ser séria.
Os que representam aquela instituição
têm que ser sérios, não podem brincar, não podem mentir. E hoje o que a
gente percebe são pessoas se colocando a serviço de uma revista, de um
jornal. Muitas vezes a imprensa recebe o relatório antes do advogado de
defesa. Isso não é inteligência, é brincar com o direito que todo
cidadão tem de ser respeitado pela lei, de ser investigado corretamente,
de ser julgado corretamente. É para isso que brigo, é por isso que
mudei leis neste país, é por isso que a Dilma mudou leis.
Você veja, é tão grave o que esta
acontecendo no Brasil que mesmo os 81 senadores, sabendo que a
presidente Dilma não cometeu nenhum crime contra a Constituição, eles
resolveram cassá-la politicamente por interesse.
Ou seja, na medida em que a economia
não estava bem, na medida em que a pesquisa não estava ajudando a
presidente Dilma, eles resolveram dar um golpe político, um golpe
parlamentar. Imagina se isso prevalece no mundo inteiro. Cada vez que um
governante baixa na pesquisa, a gente manda derrubar o governante.
Na verdade, não foi a Dilma que foi
cassada, o que está sendo cassado é o voto de 54 milhões de brasileiros
que votaram na Dilma. E amanhã os senadores vão ter que prestar conta
aos eleitores, aos seus filhos e netos. Porque eles não querem ser
chamados de golpistas, mas o que fizeram foi dar um golpe na
Constituição e dar um golpe parlamentar contra uma presidenta
democraticamente eleita pelo povo brasileiro.
BBC Brasil: O senhor tem usado a
expressão golpe para falar do que está se passando com a presidente
Dilma Rousseff mas o senhor também viveu o golpe militar. Pode-se usar a
mesma expressão?
Dá. Da mesma forma como usamos a
palavra golpe militar porque foi um golpe militar em 31 de março de 64, e
naquele tempo a gente vivia tempo de Guerra Fria, havia acusação de que
o comunismo ia tomar conta do Brasil, então os militares e os
conservadores desse país deram um golpe para evitar a ascensão da
esquerda neste país. Agora não tem essa razão. O comunismo já não
amedronta mais. Não tem a Guerra Fria.
Por que o golpe na Dilma? Não foi o
golpe militar. Foi um golpe parlamentar. Uma maioria eventual se juntou
para tirar a presidente dilma da Presidência da Republica. Uma maioria
no Senado e uma maioria na Câmara resolveram afastar a presidenta. O que
é um absurdo.
As pessoas que estão fazendo isso não
querem que a gente fale golpe, porque diz que é feio, que não é golpe
militar. O presidente interino (Michel Temer) é constitucionalista. E
ele sabe que o que eles estão fazendo é ilegal, porque a Dilma não
cometeu crime e segundo porque é um golpe parlamentar.
BBC Brasil: O que isso
representa para o legado do PT depois de tantos anos, porque este
período está terminando com um quadro bastante ruim, com recessão,
inflação, desemprego aumentando e com a presidente saindo desta forma,
com o impeachment. O senhor tem alguma responsabilidade nesta situação?
Lula: Olha, se fossem tirar os
governantes do mundo hoje por conta de crise econômica, por conta do
desemprego, não tinha um governo no mundo. Já tinham caído todos. O
governo inglês, americano, alemão, italiano, francês, chinês. Porque a
crise é geral. E é uma crise causada pela irresponsabilidade do sistema
financeiro que começou com o problema habitacional americano, o
subprime, e terminou com queda do (banco) Lehman Brothers. A partir daí
todos os países entraram em crise.
Quando fizemos o G20 em Londres, em
2009, nós decidimos que, para evitar uma crise econômica muito grande,
era necessário não adotar políticas protecionistas e aumentar o comércio
exterior para poder gerar mais emprego para as pessoas. Foi feito
exatamente o contrário. Cada país tentou se proteger, a crise aumentou e
90% dos países ainda não resolveram seus problemas.
Aqui no Brasil a gente poderia não
estar em crise. A gente poderia não estar na situação em que a gente
está, porque poderíamos ter tomado decisões mais rápidas. Mas não
tomamos. Agora, não é uma coisa do Brasil. Mas se a Dilma está se
afastando não é por uma questão econômica. É porque uma parte da elite
política e econômica desse país não admite a ascensão social dos mais
pobres.
Os mais pobres subiram um degrau na
escada social. E isso já começou a incomodar, porque muito pobre começou
a andar de avião, ir a restaurante, comprar coisa que era só de 30% da
população. Pobre na universidade, nós colocamos em universidade mais
jovens na universidade que 100 anos de conservadores, criamos em 12 anos
quatro vezes mais escolas técnicas do que eles criaram em 100 anos.
BBC Brasil: Mas essa parcela
mais pobre da população que teve ascensão social também está sofrendo
com a recessão. E é difícil argumentar que é uma crise global porque a
situação do Brasil no momento está pior do que em outros países.
Lula: Onde é que o crescimento foi
retomado? Estados Unidos, muito menos do que se imaginava, na Europa,
muito menos do que se esperava. A crise no Brasil chegou por último.
Alguns anos depois que chegou nos EUA e na Europa. O que que eu acho que
o Brasil deveria ter feito? O Brasil tem um mercado interno
extraordinário. São 204 milhões de pessoas.
E defendo a ideia de que os pobres
nesse país, toda vez que está em crise, os pobres são a solução. Basta
que a gente permita que o pobre receba o crédito necessário para poder
consumir alguma coisa, e que a gente faça investimentos necessários em
infraestrutura, de que o Brasil tanto precisa. Isso não foi feito e a
gente está pagando o preço por isso.
E o Brasil vai sair da recessão, todos
os países vão sair. E o que vai fazer o país sair da recessão é
investimento, consumo e produção. E isso está diminuindo em tudo que é
lugar. O que nós temos que admitir é que só para resolver o problema do
sistema financeiro já foram gastos mais de US$ 13 trilhões, e ainda não
resolveu. Se esses US$ 13 trilhões fossem colocados para financiar
desenvolvimento nos países pobres, a gente não teria essa crise durante o
tanto que durou.
BBC Brasil: Como isso deixa o
legado do seu governo? Um pouco atrás estava se falando no Brasil como
superpotência econômica e agora a realidade é totalmente outra, a
recessão no pior nível das últimas décadas. O que isso representa para o
legado dos 13 anos do governo do PT?
Lula: Primeiro nós temos que ter em
conta o que aconteceu até 2014. Até 2014, esse país tinha gerado 22
milhões de empregos formais, enquanto na Europa tinha 100 milhões de
pessoas fora do mercado de trabalho. Até 2014, todas as categorias
tiveram reajuste salarial acima da inflação. Até 2014, a massa salarial
brasileira crescia muito e o desemprego era de apenas 4,7%, igual a
Dinamarca, Suécia, Noruega, menos do que outros países europeus grandes.
Então o que aconteceu a partir de 2014
foi isso. É que a presidenta se deu conta de que o Orçamento tinha
diminuído porque ela fez R$ 500 bilhões de desoneração, ou seja, para
manter a economia crescendo.
De repente, a presidenta demorou ou não
percebeu que estava entrando menos dinheiro no caixa e ela foi obrigada
a fazer uma proposta de ajuste.
Essa proposta de ajuste foi para a
Câmara. Ao invés do presidente da Câmara (Eduardo Cunha) colocar em
votação, ele começou a apresentar pautas aumentando cada vez mais o
gasto, contrário àquilo que a presidente deveria fazer.
Foi se perdendo a confiança. Os empresários não investiam, o Estado perdeu capacidade de investimento e nós chegamos a isso.
Eu sou muito otimista com relação ao
Brasil. Quando fui em 2009 a Copenhague para conquistar as Olimpíadas, a
gente defendia que o Brasil chegaria em 2016 sendo a quinta economia
mundial. Nós tínhamos passado a Inglaterra naquele tempo, nós já éramos
uma economia mais rica do que a Inglaterra.
Esse país é muito grande. Não sei se eu
sou excessivamente otimista, mas eu sinceramente acho que é muito fácil
fazer o Brasil voltar a crescer. É muito fácil.
Não sei se eu sou excessivamente otimista, mas eu sinceramente acho que é muito fácil fazer o Brasil voltar a crescer.
O que precisa é acreditar no Brasil e acreditar que nossa solução está aqui dentro, confiando no povo brasileiro e fazendo esse país voltar a acreditar em si próprio como fizemos nos últimos 12 anos.
O que precisa é acreditar no Brasil e acreditar que nossa solução está aqui dentro, confiando no povo brasileiro e fazendo esse país voltar a acreditar em si próprio como fizemos nos últimos 12 anos.
Não dá para a gente ficar dependendo
apenas da economia mundial. Nós temos um potencial interno muito grande,
um mercado interno muito forte e um povo precisando de muita coisa.
Portanto, é preciso a gente pensar outra vez que o pobre pode ser a solução do nosso país, e não o problema.
BBC Brasil: O seu partido vem
dizendo que a situação econômica irá se deteriorar se o presidente
interino, Michel Temer, ficar no mandato. Então o recado para
investidores é que se a situação for essa é melhor se afastar do país?
Lula: Pelo contrário. Quando eu fui
eleito, em 2002, você sabe o que os economistas e os especialistas
diziam? Que o país não tinha jeito. Que o país estava quebrado. Que eu
não ia conseguir governar o Brasil.
E o Brasil se recuperou, pagou a sua
dívida com o Fundo Monetário Internacional. O Brasil é o único país do
G20 que fez superávit primário todo ano.
Quando as pessoas falarem para você que
o Brasil tem uma dívida pública alta, você lembre às pessoas que a
Alemanha tem mais do que o Brasil, que os Estados Unidos em 2007 tinham
64,8% de dívida pública em relação ao PIB e hoje tem 107%.
E por que aumentou a dívida pública? Para poder fazer a economia crescer.
BBC Brasil: A grande questão é que isso foi longe demais e será muito difícil trazer de volta o equilíbrio econômico.
Lula: É nada. Não é difícil não. Eu,
sinceramente, não vou ficar fazendo profecias aqui porque eu vou esperar
o que acontece lá. Não é difícil.
Eu acho que tem uma palavra mágica, que
vale para qualquer país do mundo, que é credibilidade. É preciso
recuperar a credibilidade do país no próprio país. E o importante é
fazer que o povo acredite que as coisas vão acontecer. Se o sistema
financeiro não tem crédito, se os empresários não confiam na política,
se o Estado não tem dinheiro para investir, não tem como acontecer um
milagre.
Nós precisamos recuperar a capacidade
do Estado de investir, a confiança para o sistema financeiro fazer
crédito e do empresário para investir. E isso nós já fizemos. É possível
fazer.
Quando você tem uma crise no país, a
política existe para isso. O problema não é técnico. Se fosse técnico,
eu iria na melhor universidade da Inglaterra, nos EUA ou na Alemanha,
pegaria os dez melhores economistas do mundo e colocaria aqui. Mas não
vai acontecer, sabe por que? Porque a decisão é política.
BBC Brasil: O senhor está
falando de credibilidade, mas o problema é que para o PT é um momento de
muito descrédito por causa de todos os escândalos de corrupção e
investigações em andamento. O senhor acha que é o momento de fazer algum
pedido de desculpas?
Lula: Eu não. Quem tem que pedir
desculpas é quem está inventando acusações. Eu vou te dar um dado
impressionante. Você sabe qual era a preferência eleitoral do PT em
2002, quando fui eleito presidente da República? 11%. Você sabe qual é a
credibilidade do PT e a preferência eleitoral em 2016? 12%. É o dobro
do PSDB. O dobro do PMDB.
Significa que o PT continua sendo o
partido de maior credibilidade eleitoral mesmo depois de sete anos de
massacre. Sabe por quê? Porque nós temos história. E temos vínculo com a
sociedade com nenhum outro partido teve. Obviamente, eu defendo a tese
de que toda denúncia de corrupção seja apurada ao limite máximo e que as
pessoas envolvidas sejam condenadas. É isso que eu espero do Brasil.
É por isso que nós criamos leis. É por
isso que nós aperfeiçoamos o sistema de investigação no Brasil. O que
nós queremos é que as pessoas tenham o direito de se defender. E
queremos que as pessoas não sejam condenadas pelas manchetes de jornais.
Se um jornal inglês fizer cinco
manchetes dizendo que você é corrupta, mesmo você sendo absolvida pela
Justiça, você está condenada diante da sociedade. É isso que está
acontecendo no Brasil. O que menos importa é a investigação. O que mais
importa é a especulação.
BBC Brasil: Do jeito que as coisas estão caminhando, o senhor tem medo de ser preso?
Lula: Não. Não tenho medo de ser preso.
Tenho a consciência de que eles não têm acusação, da minha inocência.
Vamos aguardar com a maior tranquilidade possível.
Eu não sou o primeiro ser humano a ser
vítima de um processo de calúnia e não serei o último. A história da
humanidade está cheia desse tipo de processo. Eu só encontro uma
explicação para tentarem fazer o que estão fazendo comigo: é tentar
tirar o Lula da vida política desse país. Eu que fiz tão bem.
A coisa é tão grave que todo mundo sabe
o esforço que eu fiz para trazer essa Olimpíada para o Brasil. E no dia
da inauguração da Olimpíada eu me senti como o menino do filme
Esqueceram de Mim. Ou seja, eu não estava presente numa festa em que fui
responsável dela vir para cá.
Você pergunta se eu tenho lamentações,
frustrações. Eu não tenho porque eu acho que política você não deve
fazer esperando agradecimento. A gente faz política porque a gente
acredita, faz política por convicção e eu tenho consciência de que vai
demorar muito para um governante, um partido, construir um legado como o
PT construiu aqui no Brasil.
Porque ninguém nunca cuidou tanto dos
pobres desse país como nós cuidamos. Não é só cuidar materialmente, de
melhorar qualidade de vida. É cuidar da autoestima desse povo. É acabar
com esse complexo de vira-lata. O Brasil passou a ser importante no
mundo, interlocutor, protagonista.
Porque eu aprendi desde pequeno que ninguém respeita quem não se respeita. E eu aprendi a me respeitar desde muito cedo.
BBC Brasil: O senhor acha que
dá para ignorar o fato de que a situação agora é totalmente diferente de
cinco anos atrás, quando era um momento de otimismo no Brasil? São dois
momentos muito diferentes. O legado se perdeu?
Lula: É como se uma pessoa com boa
saúde, ficasse doente e perdesse a esperança que fosse ficar boa outra
vez. Até hoje o mundo se lembra do New Dealfeito por (pelo presidente
americano Franklin) Roosevelt e já faz quanto tempo? Foi na década de
1930. E todo mundo lembra. Aquilo que é bom as pessoas vão lembrar a
vida inteira.
Alguém pode querer que as pessoas esqueçam, mas esse país um dia acreditou que era possível ser diferente e o povo sabe disso.
BBC Brasil: Neste caso o problema é que começou com uma esperança de que havia um futuro promissor e a coisa não se realizou.
Lula: Tem dia que a gente levanta muito
bem de saúde e daqui a pouco tem um infarto. Não significa que a vida
acabou. Você vai para o hospital, você volta e a luta continua.
O Brasil tem potencial econômico, um
povo que gosta de trabalhar, fronteira com 12 países, é um país que
estabeleceu relações comerciais com o mundo inteiro. Na minha opinião é
fácil o Brasil se recuperar.
BBC Brasil: Qual o legado
planejado que as Olimpíadas trariam para o Rio durante o planejamento e
como você acha que está no momento atual?
Lula: Você não briga para trazer uma
Olimpíada e resolver os problemas sociais do país. Você briga para
trazer uma Olimpíada para fazer uma disputa esportiva e mostrar o seu
país ao mundo e deixar como legado tudo o que você gastou com as
Olimpíadas.
E obviamente que o Rio de Janeiro está muito mais bonito, com muito mais metrô, com uma cara mais limpa, vai ficar muito melhor.
Resolveu todos os problemas? Não. Mas
não era para isso. Nós não estamos fazendo as Olimpíadas de restauração
do bem-estar social.
Eu tenho certeza que o mundo viu o Rio
de Janeiro como nunca em 500 anos. Um povo extraordinário, alegre,
simpático. As praças esportivas melhores do que em qualquer país do
mundo, Atlanta, Berlim.
Fui à China e as nossas praças esportivas estão muito mais bonitas. Nós somos capazes.
E isso é o mais importante. Que depois
das Olimpíadas o povo vai ter transporte melhor, praças melhores, obras
extraordinárias, espeço público para eles.
Eu sinceramente acho que ganhamos as
Olimpíadas porque a gente estava em um momento de ascensão econômica e
política, e porque a crise nos Estados Unidos estava maior do que no
Brasil. A crise na Espanha era pior do que no Brasil e nós fomos mais
convincentes.
E acho que dificilmente algum país vai
conseguir apresentar uma proposta como a do Brasil porque era 100%
paixão, 100% alma e 100% razão.
Lamentavelmente os resultados, tanto na
Copa do Mundo contra a Alemanha e agora nas Olimpíadas, não são aquilo
que a gente esperava, mas eu te confesso uma coisa. Eu faria tudo outra
vez. Iria chorar, conquistar a Olimpíada e participar.
BBC Brasil: Com a situação que está hoje, o senhor se preocupa com o país no próximo ano?
Lula: Eu me preocupo todo dia com o
Brasil. Eu acho que a gente nesse instante de crise tem que pensar como
sair da crise, não ficar discutindo a crise.
Eu dizia, no G20 de 2009, que o
problema da crise era a falta de lideranças políticas para decidir
politicamente o que tinha que ser feito. E eu acho que aqui no Brasil a
gente poderia ter saído da crise mais rápido.
Quando você demora para tomar uma
decisão, pode virar um século. Nós demoramos, o Congresso quis
prejudicar a presidenta. A presidenta e o governo exageraram na política
de desoneração.
É uma lição. A nossa briga agora é para
não permitir que os trabalhadores percam aquilo que conquistaram nos
bons períodos do país. Aumento de salário, programas sociais que não
permitiram que a miséria voltasse.
Lamentavelmente, nós estamos com o
desemprego crescendo e isso é muito ruim. O emprego é uma coisa que dá
cidadania ao ser humano. O ser humano, se tem emprego, saúde e salário,
ele está muito bem.
Eu torço para o Brasil ficar bem em
qualquer momento. Porque se o Brasil estiver mal, eu também estou mal.
Se o Brasil for mal, o povo vai sofrer.
Primeiro, eu estou torcendo para dia 29 o Congresso não afastar a Dilma. Eu tenho esperança. Eu sou um homem de muita esperança.
Vai ser um momento importante, um
momento histórico porque a presidenta vai ao Senado se expor. Ela
corajosamente vai se colocar diante de seus acusadores para que o Judas
Iscariotes possa acusá-la na frente dela.
E ela vai tentar mostrar para eles o
erro que estão cometendo. Se a Dilma não conseguir convencer os 28
senadores (número necessário para evitar o impeachment), ela vai estar
fazendo um gesto histórico neste país.
É uma mulher de coragem se expor diante
de 81 senadores e ouvir de cada um, olho no olho de cada um, a acusação
e poder, olho no olho, se defender.
Eu quero saber como os senadores vão
voltar para casa e olhar para suas mulheres, filhos, netos. Eles vão ter
que reconhecer que ilegalmente eles afastaram uma pessoa eleita nesse
país.
E a história não julga na mesma semana. Às vezes a história demora séculos para julgar e eu trabalho com isso.
A história não termina dia 29. Ela começa dia 29.
.
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