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18/09/2016
Educação
Em curso, o desmonte da educação pública
Cortes de programas, contratos suspensos, redução dos investimentos...
Temer e Mendonça Filho miram o Orçamento
Barulhento como uma sala de aula indisciplinada, o movimento Escola sem Partido terá
dificuldades para deter o suposto “exército organizado de militantes
travestidos de professores”. A perseguição à “doutrinação política” nas
escolas brasileiras, representada no Congresso pelos projetos do senador
Magno Malta, do PR, e do deputado Izalci Lucas, do PSDB, carece até do
apoio de um governo para o qual a Constituição é rasurável.
Em julho, a Advocacia-Geral da União e o Ministério da
Educação defenderam a inconstitucionalidade da proposta por atentar
contra o pluralismo na educação, em resposta a um pedido de posicionamento do Supremo Tribunal Federal sobre o Escola Livre, projeto de mesmo teor aprovado recentemente pela Assembleia Legislativa de Alagoas.
Nem mesmo um ministro apto a ouvir conselhos de Alexandre Frota
leva a proposta a sério. Após nomear um defensor do projeto como
assessor especial do MEC e voltar atrás em seguida, José Mendonça Filho,
do Democratas, agora se declara contra a aberração. “Não dá para
estabelecer um tribunal de ideias dentro das escolas”, afirmou em
entrevista recente.
O projeto tem mais efeito retórico do que prático.
Enquanto uma parte da sociedade morde a isca de uma proposta com poucas
chances de ser aprovada no Congresso e, provavelmente, destinada a ser
considerada inconstitucional pela Justiça, o governo de Michel Temer
trabalha silenciosamente no desmonte das atuais políticas de educação
pública.
Em menos de quatro meses, Mendonça Filho
suspendeu programas de alfabetização e de ensino integral, sugeriu
cortes de 45% nos repasses às universidades federais e revogou a
realização do novo sistema de avaliação da educação básica aprovado após
esforços e contribuições de entidades do setor.
Iniciativas do governo de Lula e Dilma, o Programa
Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego e o Fundo de
Financiamento Estudantil também tiveram novos contratos suspensos após o
afastamento da presidenta eleita, mas o ministério promete abrir novas
vagas no segundo semestre deste ano.
É razoável imaginar que voltem remodelados, talvez com
novo nome e formato. São programas interessantes para a iniciativa
privada, ao auxiliarem na manutenção de grandes universidades
particulares e na formação de profissionais baseados nas necessidades do
mercado.
A educação pública, entretanto, é a
“Geni”. Em 26 de agosto, o MEC interrompeu o Sistema Nacional de
Avaliação da Educação Básica, previsto no plano nacional. Pouco
esclarecedor, o documento apenas revoga a portaria que instituiu a
avaliação, sem apresentar qualquer justificativa ou alternativa para seu
lugar.
Aprovada durante a gestão de Aloizio Mercadante,
ex-ministro de Dilma, a nova modalidade de avaliação levou mais de um
ano para ser concluída. Seu objetivo era ampliar o número de indicadores
educacionais, ao contemplar informações como superação de
desigualdades, valorização de professores, universalização do
atendimento escolar e gestão democrática.
O Centro de Referências em Educação Integral, parceiro da
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura,
teve acesso a uma apresentação de julho de Mendonça Filho na qual se
avaliam as políticas educacionais dos últimos anos. No documento, o Mais
Educação, principal iniciativa federal para incentivar o ensino
integral, é considerado ineficiente e novas adesões são declaradas
suspensas para 2016.
Outro programa cancelado é o Brasil
Alfabetizado, voltado para a alfabetização de jovens e adultos. No
Brasil, 8,3% da população não sabe ler ou escrever. Embora o ministério
garanta a continuidade da execução do programa, uma cidadã, segundo
reportagem da Folha de S.Paulo, questionou a pasta sobre o tema por meio da Lei de Acesso à Informação e foi avisada de que não há previsão da ativação de novas turmas.
De acordo com o MEC, existem 168 mil alunos no atual
ciclo. Em 2013, eram atendidos cerca de 1 milhão. Nos bastidores,
discute-se ainda a transferência para o Ministério do Desenvolvimento
Social da gestão das creches, hoje parte importante da política nacional
de educação infantil. Interlocutores de Temer sugerem que o governo
pretende realizar parcerias público-privadas para a administração das
unidades.
O desmonte da educação pública não
está relacionado apenas à suspensão de programas criados durante os
governos petistas, mas ao financiamento da área. Uma das prioridades do
governo Temer é aprovar a Proposta de Emenda à Constituição 241, que limita o aumento dos gastos públicos à inflação aferida no ano anterior pelos próximos 20 anos.
A rigidez fiscal terá profundo impacto sobre o financiamento das pastas. Uma das principais metas do Plano Nacional de Educação
é ampliar o investimento público de forma a atingir o patamar de 10% do
Produto Interno Bruto nos próximos oitos anos. Com o limite dos gastos,
o Brasil distancia-se ainda mais da porcentagem pretendida: em 2013, o
governo federal investiu 6,6% do PIB na área, segundo dados oficiais.
Atualmente, a Constituição reserva um mínimo de 18% da receita líquida da União para a pasta. Segundo a proposta defendida por Henrique Meirelles, ministro da Fazenda, o piso da educação equivalerá ao gasto do ano anterior corrigido pela variação inflacionária.
Um estudo técnico da Câmara dos Deputados
realizado em agosto estima que a mudança não terá impacto significativo
no próximo biênio, pois a continuidade da baixa arrecadação deve
resultar em um pequeno acréscimo dos recursos. Se o País contornar a
crise fiscal e voltar a engordar o caixa, os consultores legislativos
apontam para uma queda significativa dos repasses.
Para 2017, o estudo técnico estima um
piso de 50,2 bilhões de reais com a nova regra, ante um valor de 49,8
bilhões segundo a fórmula antiga. Em 2025, haveria, porém, queda de 13
bilhões de reais se aplicado o cálculo pretendido pela equipe econômica.
Os consultores legislativos estimam uma perda acumulada de 45 bilhões
de reais no período.
“A aplicação do método de correção da
PEC desde 2010, em relação à regra atual, mostra que o novo método se
revela vantajoso em períodos de baixo crescimento e perda de receita”,
afirmam os consultores. “Se houver crescimento a partir de 2018, aumenta
a diferença entre o piso atual e aquele previsto pela PEC.”
Coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara
considera a projeção tímida. “É um cálculo subdimensionado. Ainda
assim, é um volume que indica a queda na expansão dos créditos nas
escolas e nas universidades.”
Aprovado pelo
Senado, o fim do controle da exploração do pré-sal pela Petrobras
promete comprometer uma das fontes de recursos mais importantes para a
área no longo prazo. Caso o projeto prospere na Câmara, a tendência é de
redução da receita de royalties do petróleo para o Fundo Nacional do Pré-Sal, que destina 75% dos recursos à educação pública.
Estimativas de consultores da Câmara realizadas entre
setembro e outubro do ano passado apontam que os recursos destinados à
educação e saúde por meio da exploração do petróleo, nas regras atuais,
poderiam chegar a 213 bilhões de reais entre 2015 e 2030. De acordo com o
estudo técnico, a educação tenderia a receber perto de 7,2 bilhões de
reais por ano.
A expectativa era ter acesso a um volume significativo do
dinheiro entre 2018 e 2020, mas o baixo preço do petróleo e as
incertezas sobre o futuro do setor no País podem adiar ou comprometer a
bonança. “Não queremos abrir mão desse recurso, ainda mais no cenário da
PEC 241”, diz Cara.
As principais bandeiras dos governos de
Lula e Dilma também têm sofrido com os cortes. Em julho, o MEC
interrompeu a concessão de novas bolsas de intercâmbio internacional do Ciência sem Fronteiras para estudantes de graduação, objetivo original do programa.
Mendonça Filho afirma que a decisão não
significa o fim da iniciativa federal. Desde a sua criação, em 2011, o
governo concedeu 92,8 mil bolsas para estudantes e pesquisadores. Hoje,
mantém 14,4 mil.
Desde o ano passado, os recursos para o Pronatec e o Fies
têm caído. Ainda assim, o ministro suspendeu a abertura de novas vagas
tão logo assumiu o cargo. Embora prometa honrar os benefícios de
financiamento contratados, o MEC não deve disponibilizar mais
oportunidades para os estudantes de ensino técnico e universitário em
2016.
No longo prazo, programas como o Fies e o Pronatec devem
ter continuidade. “É interesse do empresariado que continuem. Temos um
governo que tem como base social os empresários”, afirma Cara, para em
seguida ressaltar a descontinuidade das políticas do setor.
“Mesmo entre Fernando Henrique Cardoso e Lula, muitos dos
projetos na área foram aproveitados.
Neste momento, a regra é dizer que
tudo estava errado, como se os últimos 13 anos fossem marcados apenas
por equívocos.” Os movimentos do governo revelam que o macarthismo
ideológico do Escola sem Partido é só cortina de fumaça. O verdadeiro
objetivo é uma escola sem Estado.
*Publicado originalmente na edição 918 de CartaCapital, com o título "Escola sem Estado". Assine CartaCapital.
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