04/12/2016
Pela primeira vez no Brasil, um dos três poderes vai às ruas contra os outros dois – e fracassa. O que está em jogo?
Por
Bajonas Teixeira, colunista de política do Cafezinho
Essa é a primeira vez na história do Brasil em que um dos três poderes, o Judiciário (unido à corporação do Ministério Público), sai às ruas confrontando diretamente os outros dois (Legislativo e Executivo). E tudo de forma tão evidente que, embora a classe média tenha sido a massa de manobra nas manifestações, o confronto de poderes não se deixa ocultar.
E, ao que tudo indica, o fracasso foi retumbante. Mesmo com os números inflados divulgados pelos organizadores. Veja-se o exemplo de Brasília. Esperava 125 mil, apareceram apenas cinco mil (número dado pelos próprios organizadores). Ou seja, menos um vigésimo do esperado ou menos de 5% do que era previsto. Em 13 de março, na maior das manifestações contra Dilma, com forte indução por parte de Moro e da Lava Jato, o número chegou a 100 mil. Tivemos hoje, portanto, 5% do que vimos em 13 de março.
Em Belo Horizonte, apareceram 8 mil pessoas (em 13 de março, foram 100 mil). Em Salvador, 1.200 agora (em 13 de março, 50 mil). Recife divulgou a participação de 5 mil manifestantes (em 13 de março, foram 120 mil). A Globo está sendo bastante resistente em dar os ‘números reais’. No caso do Rio, disse à pouco que a PM ainda não tinha divulgado os números.
O fracasso das manifestações, é certo, aumentará o empenho da Globo em impor uma imagem vitoriosa da Lava Jato e do juiz Sérgio Moro. Sua situação vai se tornar, contudo, bastante ambígua porque, sem deixar de apoiar Temer, vai dar firme apoio aos que pediram nas ruas o “Fora Temer”. A mesma coisa para a Folha de São Paulo.
As duas empresas, contudo, já preveem (no caso da Folha, até trabalha por) um fim inglório para Temer. Nesse caso, o protesto de hoje sinaliza o prelúdio da substituição do grupelho do PMDB pelo (também implicado na Lava Jato) grupelho do PSDB.
Ao levar a luta para as ruas, o judiciário brasileiro dá a sua luta para aumentar seu poder no estado brasileiro um caráter dramático. Na imaginação dos ingênuos da Lava Jato – os procuradores mais jovens que dão às caras na mídia (por trás dos quais estão as velhas raposas que nunca aparecem) –, se trata de uma missão sagrada: a livrar o país da corrupção e, de quebra, garantir carreiras de sucesso e altos salários para cada um deles.
O caráter dramático está em que, com as manifestações de Deltan Dellagnol, por exemplo, no Twitter pedindo vigilância e fazendo denúncias de manipulações do projeto das Dez Medidas, o assunto saiu dos canais institucionais. Agora não é a rotina das decisões colegiadas que está movendo as relações internas ao estado. Não são os pactos dissimulados, as pressões ou manipulações institucionais habituais.
Ao pôr nas ruas as palavras de ordem contra o Legislativo e o Executivo, o Judiciário trouxe uma “forma revolucionária” – isto é, medidas extrajudiciais em colisão com as práticas institucionais. Esse tipo de ‘revolução’ foi exatamente o caminho que a Alemanha seguiu para chegar a 1933: a mobilização nas ruas em sintonia com os tribunais e as forças policiais (a PM, por exemplo, está se recusando a dar os números reais de manifestantes hoje, mesmo onde, como em Belo Horizonte, era possível conta-los com os dedos).
Enquanto o primeiro capítulo da Lava Jato, de forma muito mais indireta, insuflou a classe média contra Dilma e o PT, esse segundo capítulo conclama diretamente as ruas contra os partidos que querem o fim da Lava Jato. São justamente os aliados daquela primeira fase, o PMDB em primeiro lugar, que hoje são marcados como os inimigos da Justiça. Os mesmos políticos corruptos que os procuradores agora acusam, foram seus diletos aliados na derrubada do governo legítimo de Dilma Rousseff.
A situação assume certo verniz dramático também porque, até na simples aparência, os canais institucionais foram rompidos. E a tensão que se inseriu nessa ruptura, através do fracasso nas ruas nesse domingo, é um novo ingrediente de ódio numa atmosfera já bastante carregada.
O que antes era controlado pela lógica das instituições foi sobrepujado pela lógica canibal de um estado em decomposição. Cada segmento, cada corporação, e cada um dos poderes – com exceção da presidência, o Executivo, que conspira deitado num leito de CTI – briga entre si para alcançar maiores fatias de poder, ou para não perder o que alcançou.
Mas, o que é mais notável, é que a lógica do golpe – a de um fortalecimento do Judiciário que quer acumular poderes de exceção –, criou o terreno para uma luta intestina entre os três poderes: o Judiciário, por um lado, e o Legislativo, atrás do qual se esconde, moribundo, o Executivo.
Os dois fatos recentes – a tentativa de anistia ao caixa dois e a votação das Dez medidas, transformada em lei contra o abuso de autoridade –, tem como miolo aquele confronto, como ninguém ignora. Mas isso significa que uma lógica do confronto foi acionada e, sem mediadores, tende a correr solta. Das ruas para a violência, muitas vezes é um passo.
Quem vem permitindo essa radicalização da parte do Judiciário e do MPF? Aqueles que de fato dão as cartas no Judiciário e na PGR, ou seja, os grupos encastelados nas posições superiores. Ninguém se engane crendo que Dellagnol ou Sérgio Moro são os mandachuvas que dão as cartas e decidem. De modo algum. Num estado baseado no favor e no peso patriarcal, esses ‘jovens’ estão sob a tutela de outros mais velhos.
Assim como os ‘Cara Pintadas’ saíram dissimulados (exatamente pintando as faces), nos protestos contra Collor, representando não o seu país mas os seus pais, que discretamente ficaram em casa, mas que os estimularam em obediência ao chamado da Globo, hoje a classe média ocupa as ruas em nome de terceiros. A mídia e os medalhões do judiciário e do ministério público estão por trás da cena. Até onde vai o show, depende de até onde eles permitam que o show vá.
O poder do judiciário quer se robustecer cada vez mais, garantir suas prerrogativas e privilégios, avançar no botim dos recursos do estado através dos aumentos salariais e dos benefícios suplementares de todo tipo. Questões como a do aumento do STF, ainda em suspenso, são decisivas para alimentar a fervura, já que é interesse de todos os juízes do país.
Já os políticos não querem servir de troféus para os caçadores de cabeça das corporações penais, que antes faziam os processos dormirem nas gavetas por décadas e agora, depois do aplauso popular (leia-se: classe média descontente com o PT e suas políticas democráticas) descobriram o apelo das ruas e da popularidade barata.
Se o Legislativo tiver clareza suficiente sobre o fracasso de hoje, provavelmente liquidará o assunto na próxima terça-feira.
Visite e curta a MÁQUINA CRÍTICA.
Essa é a primeira vez na história do Brasil em que um dos três poderes, o Judiciário (unido à corporação do Ministério Público), sai às ruas confrontando diretamente os outros dois (Legislativo e Executivo). E tudo de forma tão evidente que, embora a classe média tenha sido a massa de manobra nas manifestações, o confronto de poderes não se deixa ocultar.
E, ao que tudo indica, o fracasso foi retumbante. Mesmo com os números inflados divulgados pelos organizadores. Veja-se o exemplo de Brasília. Esperava 125 mil, apareceram apenas cinco mil (número dado pelos próprios organizadores). Ou seja, menos um vigésimo do esperado ou menos de 5% do que era previsto. Em 13 de março, na maior das manifestações contra Dilma, com forte indução por parte de Moro e da Lava Jato, o número chegou a 100 mil. Tivemos hoje, portanto, 5% do que vimos em 13 de março.
Em Belo Horizonte, apareceram 8 mil pessoas (em 13 de março, foram 100 mil). Em Salvador, 1.200 agora (em 13 de março, 50 mil). Recife divulgou a participação de 5 mil manifestantes (em 13 de março, foram 120 mil). A Globo está sendo bastante resistente em dar os ‘números reais’. No caso do Rio, disse à pouco que a PM ainda não tinha divulgado os números.
O fracasso das manifestações, é certo, aumentará o empenho da Globo em impor uma imagem vitoriosa da Lava Jato e do juiz Sérgio Moro. Sua situação vai se tornar, contudo, bastante ambígua porque, sem deixar de apoiar Temer, vai dar firme apoio aos que pediram nas ruas o “Fora Temer”. A mesma coisa para a Folha de São Paulo.
As duas empresas, contudo, já preveem (no caso da Folha, até trabalha por) um fim inglório para Temer. Nesse caso, o protesto de hoje sinaliza o prelúdio da substituição do grupelho do PMDB pelo (também implicado na Lava Jato) grupelho do PSDB.
Ao levar a luta para as ruas, o judiciário brasileiro dá a sua luta para aumentar seu poder no estado brasileiro um caráter dramático. Na imaginação dos ingênuos da Lava Jato – os procuradores mais jovens que dão às caras na mídia (por trás dos quais estão as velhas raposas que nunca aparecem) –, se trata de uma missão sagrada: a livrar o país da corrupção e, de quebra, garantir carreiras de sucesso e altos salários para cada um deles.
O caráter dramático está em que, com as manifestações de Deltan Dellagnol, por exemplo, no Twitter pedindo vigilância e fazendo denúncias de manipulações do projeto das Dez Medidas, o assunto saiu dos canais institucionais. Agora não é a rotina das decisões colegiadas que está movendo as relações internas ao estado. Não são os pactos dissimulados, as pressões ou manipulações institucionais habituais.
Ao pôr nas ruas as palavras de ordem contra o Legislativo e o Executivo, o Judiciário trouxe uma “forma revolucionária” – isto é, medidas extrajudiciais em colisão com as práticas institucionais. Esse tipo de ‘revolução’ foi exatamente o caminho que a Alemanha seguiu para chegar a 1933: a mobilização nas ruas em sintonia com os tribunais e as forças policiais (a PM, por exemplo, está se recusando a dar os números reais de manifestantes hoje, mesmo onde, como em Belo Horizonte, era possível conta-los com os dedos).
Enquanto o primeiro capítulo da Lava Jato, de forma muito mais indireta, insuflou a classe média contra Dilma e o PT, esse segundo capítulo conclama diretamente as ruas contra os partidos que querem o fim da Lava Jato. São justamente os aliados daquela primeira fase, o PMDB em primeiro lugar, que hoje são marcados como os inimigos da Justiça. Os mesmos políticos corruptos que os procuradores agora acusam, foram seus diletos aliados na derrubada do governo legítimo de Dilma Rousseff.
A situação assume certo verniz dramático também porque, até na simples aparência, os canais institucionais foram rompidos. E a tensão que se inseriu nessa ruptura, através do fracasso nas ruas nesse domingo, é um novo ingrediente de ódio numa atmosfera já bastante carregada.
O que antes era controlado pela lógica das instituições foi sobrepujado pela lógica canibal de um estado em decomposição. Cada segmento, cada corporação, e cada um dos poderes – com exceção da presidência, o Executivo, que conspira deitado num leito de CTI – briga entre si para alcançar maiores fatias de poder, ou para não perder o que alcançou.
Mas, o que é mais notável, é que a lógica do golpe – a de um fortalecimento do Judiciário que quer acumular poderes de exceção –, criou o terreno para uma luta intestina entre os três poderes: o Judiciário, por um lado, e o Legislativo, atrás do qual se esconde, moribundo, o Executivo.
Os dois fatos recentes – a tentativa de anistia ao caixa dois e a votação das Dez medidas, transformada em lei contra o abuso de autoridade –, tem como miolo aquele confronto, como ninguém ignora. Mas isso significa que uma lógica do confronto foi acionada e, sem mediadores, tende a correr solta. Das ruas para a violência, muitas vezes é um passo.
Quem vem permitindo essa radicalização da parte do Judiciário e do MPF? Aqueles que de fato dão as cartas no Judiciário e na PGR, ou seja, os grupos encastelados nas posições superiores. Ninguém se engane crendo que Dellagnol ou Sérgio Moro são os mandachuvas que dão as cartas e decidem. De modo algum. Num estado baseado no favor e no peso patriarcal, esses ‘jovens’ estão sob a tutela de outros mais velhos.
Assim como os ‘Cara Pintadas’ saíram dissimulados (exatamente pintando as faces), nos protestos contra Collor, representando não o seu país mas os seus pais, que discretamente ficaram em casa, mas que os estimularam em obediência ao chamado da Globo, hoje a classe média ocupa as ruas em nome de terceiros. A mídia e os medalhões do judiciário e do ministério público estão por trás da cena. Até onde vai o show, depende de até onde eles permitam que o show vá.
O poder do judiciário quer se robustecer cada vez mais, garantir suas prerrogativas e privilégios, avançar no botim dos recursos do estado através dos aumentos salariais e dos benefícios suplementares de todo tipo. Questões como a do aumento do STF, ainda em suspenso, são decisivas para alimentar a fervura, já que é interesse de todos os juízes do país.
Já os políticos não querem servir de troféus para os caçadores de cabeça das corporações penais, que antes faziam os processos dormirem nas gavetas por décadas e agora, depois do aplauso popular (leia-se: classe média descontente com o PT e suas políticas democráticas) descobriram o apelo das ruas e da popularidade barata.
Se o Legislativo tiver clareza suficiente sobre o fracasso de hoje, provavelmente liquidará o assunto na próxima terça-feira.
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